Em ofício datado de 16 de maio e assinado pelo juiz responsável pela AR IX, José Manuel Monteiro da Silva, a que o Odivelas Notícias teve acesso, o Tribunal de Contas pede explicações à presidente da Câmara Municipal de Odivelas, Susana Amador, sobre a decisão da autarquia de anular o concurso para a concessão do serviço de distribuição de água no concelho e aderir à constituição dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures e Odivelas. O Odivelas Notícias quis saber a opinião de Susana Amador; de Hugo Martins, líder do PS Odivelas; de Fernanda Mateus, vereadora da CDU e de Sandra Pereira, líder do PSD Odivelas.

 O que pede o Tribunal de Contas

 O ofício refere que no âmbito da sua atividade o Tribunal de Contas pediu à CMO todos os documentos referentes ao concurso em causa e que da sua análise «É possível constatar que a solução da gestão concessionada apresenta um conjunto de benefícios e ganhos de eficiência que se revelam mais vantajosos para o município de Odivelas, face ao modelo de gestão direta. O estudo, em apreço, disponibilizado ao tribunal, evidência um valor de investimento privado superior a 91 milhões de euros e uma retribuição a pagar ao município de Odivelas de quase 30 milhões de euros».

O ofício diz também que «Ao modelo de gestão concessionada, para além das vantagens financeiras evidenciadas no estudo em apreço, em termos de valor atual líquido dos cash-flows gerados pera o Município de Odivelas, foram ainda apontados ganhos de eficiência, que se obteriam com a redução das elevadas perdas de água na rede e das dívidas incobráveis e bem assim, a vantagem de se evitar os constrangimentos orçamentais e os limites de endividamento impostos nos termos legais aos municípios».

O Tribunal diz que recentemente teve conhecimento, através de noticias de jornais, «Que o Município de Odivelas iria, afinal, constituir com o município de Loures uma empresa intermunicipal para água e lixo e que não seria deliberada a adjudicação do concurso em causa, com fundamento numa suposta alteração de circunstâncias».

Dando um prazo de 10 dias, o Tribunal de Contas pede que sejam enviados, diretamente para o Gabinete do juiz responsável, «Os devidos e necessários esclarecimentos sobre as seguintes questões:

Que estudos técnicos, económicos e financeiros realizados pelo município demonstram a viabilidade da constituição dos serviços intermunicipalizados;

Quais as vantagens económicas e financeiras que decorrem da constituição desses serviços face ao modelo de gestão concessionada;

Em que termos será garantido o nível de investimento previsto no Estudo de Viabilidade Económica e Financeira remetido para o Tribunal de Contas;

Quais os impactos que esse investimento terá ao nível do endividamento do município de Odivelas;

De que forma será compensada a diminuição da retribuição que o Município de Odivelas iria receber, superior a um milhão de euros anuais durante trinta anos;

Identificar os encargos estimados com o processo de indeminizações aos concorrentes envolvidos no concurso a decorrer;

Identificar o custo de oportunidade estimado para os utentes do município de Odivelas pelo facto de verem protelados o investimento na rede e a melhoria de qualidade dos serviços;

Quais os desvios físicos (em termos de prazo) e financeiros previstos ao nível do investimento, em resultado de uma suposta decisão de cancelamento do presente concurso;

Que factos concretos fundamentam a mudança de orientação pelos órgãos do município de Odivelas, à luz dos princípios de eficiência, economia e eficácia e de salvaguarda do interesse público;

Que fundamentos jurídicos são apontados pelo município para alegar a não adjudicação com base na alteração de circunstâncias, atentas as implicações legais e financeiras da respetiva decisão?».

 «Este pedido é verdadeiramente surpreendente»

 O Odivelas Notícias pediu à presidente da Câmara Municipal de Odivelas, Susana Amador, um comentário a este ofício. Publicamos na íntegra a resposta da edil.

 «Considero qualquer pedido de esclarecimentos do Tribunal de Contas, no âmbito das suas atribuições e competências, perfeitamente legítimo e natural.

No entanto, pelo seu teor, este pedido de esclarecimentos em particular causou a maior estranheza, pois vem o Tribunal de Contas pedir a esta Autarquia que fundamente e justifique detalhadamente, o porquê de, na sequência do acordo alcançado com o Município de Loures, ter abdicado do concurso internacional que visava a concessão da gestão do abastecimento de água e do saneamento a privados, e ter decidido a sua manutenção na esfera pública através da criação dos Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas (SIMAS). O que não conseguimos deixar de considerar verdadeiramente surpreendente!

Nessa medida, e porque o Município de Odivelas sempre atuou neste processo com total lisura e transparência, e tendo sempre tido como sua opção primeira e preferencial uma solução de natureza intermunicipal como a que veio a ser encontrada, que mantivesse a prestação destes serviços no Concelho de Odivelas na esfera pública, a qual foi durante anos inviabilizada por Loures, solicitei já com carácter de urgência uma audiência a sua Excelência o Sr. Presidente do Tribunal de Contas, para que consigamos perceber qual é exatamente o alcance deste pedido de esclarecimentos com um teor desta natureza, que reputamos, de facto, de estranho!».

 «Considero questionável o teor e oportunidade do ofício»

 O presidente da Comissão Concelhia de Odivelas do Partido Socialista, Hugo Martins também respondeu ao pedido do Odivelas Notícias. Publicamos na íntegra a sua resposta.

 «Entendo que o trabalho levado a cabo pelas instituições judiciárias, e em particular pelo Tribunal de Contas (TC), deva ser compreendido com integridade e de forma pedagógica.

Não deixo, no entanto, de assinalar que foi com bastante perplexidade que recebemos um pedido de esclarecimentos, por parte daquele Tribunal, cujo teor e oportunidade considero questionável.

Em primeiro lugar, porque a competência de qualquer decisão operada no domínio da gestão do abastecimento e saneamento de águas e na recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos é da responsabilidade municipal. Depois, porque todas as recomendações apontadas pela entidade reguladora deste setor (ERSAR) indicam e apontam para soluções e modelos de gestão pública, municipais e multimunicipais, colocando sérias reservas na opção privada.

Considero, por isso, que a manutenção deste serviço no domínio público foi a decisão acertada, e o corolário desta minha afirmação foi a sua expressão por unanimidade pelos Órgãos Municipais locais.

Recordo, também, que o TC, que vem agora solicitar esclarecimentos relativos à constituição dos Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas, é a mesma entidade que ao longo dos últimos anos tem vindo a produzir relatórios verdadeiramente arrasadores para os municípios que optaram pela concessão deste serviço a privados, assinalando o seu forte impacto no aumento da fatura a pagar pelos consumidores».

 «Deve ser defendida a total legitimidade dos seus órgãos autárquicos decidirem pela gestão pública da água e dos resíduos sólidos».

Também pedimos a Fernanda Mateus, vereadora eleita pela CDU e cabeça de lista desta força política nas eleições de outubro de 2013, um comentário a este ofício. Tal como aos outros convidados a comentar não foi imposto nenhum limite de caracteres pedindo-se apenas que fossem sintéticos. Fernanda Mateus optou por ser mais exaustiva e aqui fica, na íntegra, o seu comentário.

 «1. O PCP e os seus aliados na CDU têm uma posição clara e inequívoca em defesa da gestão pública da água, porque só ela garante o direito de todos a este bem precioso e escasso. O elevado valor da gestão pública está claramente comprovado para as populações que integram o Concelho de Odivelas e o Concelho de Loures. Foi com a Revolução de Abril e com forte impulso da CDU na Presidência da Câmara Municipal de Loures que foi possível levar a água, o saneamento a todas as casas e dinamizar um forte investimento nos SMAS, criando padrões de elevada qualidade do serviço de abastecimento de água e de recolha de resíduos sólidos que colocaram em evidência a supremacia da gestão pública sobre a gestão privada.

Na verdade está claramente comprovada, no plano nacional e internacional, que a privatização da água representa prejuízos elevadíssimos para as populações e para os Municípios que assim decidiram, sendo certo que a designada “concessão” representou uma nova fonte de lucro ao serviço de entidades privadas.

Em Fevereiro passado vieram de novo a público notícias oriundas do Tribunal de Contas que confirmam os riscos e prejuízos para as populações, e em que recordamos:

O Tribunal de Contas considera que o contrato de financiamento da empresa concessionária dos sistemas de abastecimento de água e saneamento da Figueira da Foz é prejudicial ao município e onera o tarifário aos utentes” (Lusa, 27 Fevereiro 2014);

A Câmara Municipal de Ourém assume os riscos que deveriam ser da empresa concessionária do abastecimento de água ao concelho, refere o Tribunal de Contas….” (Lusa 27 de Fevereiro 2014);

O Tribunal de Contas considera que o modelo contratual entre a Câmara da Batalha e a empresa (…) concessionária do sistema de abastecimento de água do concelho não foi bem-sucedido, resultando na deterioração da rede.” (Lusa, 27 de Fevereiro 2014)

 Estes são novos exemplos de muitos sobejamente conhecidos ao longo dos anos, resultantes da opção de concessão/privatização da água.

2. Desde a criação do Concelho de Odivelas que a CDU tem defendido, nos órgãos autárquicos municipais e fora deles, uma gestão pública partilhada da água e dos resíduos sólidos pelos Municípios de Odivelas e de Loures. Não retomamos neste espaço as razões políticas que, na opinião da CDU, determinaram que a prestação deste importante serviço público tenha sido assegurado pelos SMAS de Loures e tendo a Câmara Municipal de Odivelas mantido a posição de cliente. Como temos afirmado a herança mais recente no que ela teve de desinvestimento, com claro prejuízo para as populações dos dois concelhos, não põe em causa a superioridade da gestão pública e por isso a CDU, os trabalhadores dos SMAS e a população do Concelho de Odivelas deram um forte combate à decisão de concessão/privatização da água tomada pela maioria PS/PSD no final do mandato anterior.

Uma oposição de principio a este modelo de gestão privada, largamente ancorada nos prejuízos reais que tal significaria designadamente: amarrar por muitas décadas o Município e a população a uma decisão que significaria aumentar os preços da água e colocar todos os riscos no Município de Odivelas.

3. No início do atual mandato autárquico (Outubro 2013) os eleitos da CDU nos órgãos municipais de Odivelas tomaram como primeira iniciativa política a proposta de anulação do processo de concessão/privatização da água e da recolha dos resíduos sólidos, tendo em conta que, se tinham registado, entretanto, novos desenvolvimentos que abalavam e punham em causa a decisão tomada no anterior mandato pela maioria PS/PSD destacando-se:

– O conteúdo do Parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) sobre as peças do procedimento de contratação para a concessão da exploração e gestão dos sistemas de distribuição de água para consumo público e recolha de efluentes do Concelho de Odivelas que enumerou um conjunto de questões, de aspetos críticos e de falta de rigor e objectividade que aumentavam o grau de incerteza e risco para a autarquia, para o interesse público e para os consumidores (21 de Junho de 2013);

– As razões que fundamentaram a entrega de uma petição Pública à Assembleia Municipal (19 de Setembro 2013) por iniciativa do Núcleo de Odivelas da Associação Água Pública que recolheu, num curto espaço de tempo, dez mil assinaturas de cidadãos do concelho;

– A vitória da CDU no Município de Loures, o que significou que esta Câmara Municipal passou a estar na primeira linha de defesa do serviço público prestado pelo SMAS no Concelho de Odivelas.

4. Os eleitos da CDU nos órgãos municipais de Odivelas congratularam-se pelo Acordo firmado entre as Câmaras de Loures e Odivelas para a criação de uma empresa Inter-municipal, que colocará os dois municípios em pé de igualdade na gestão pública do abastecimento de água, saneamento e recolha de resíduos sólidos urbanos.

Como a CDU se congratulou e os seus vereadores votaram favoravelmente a decisão tomada na reunião de Câmara do passado dia 21 de Maio que anulou o Concurso para a Concessão de Exploração e Gestão de Sistemas de Distribuição da Água para consumo e Recolha de Efluentes do Concelho de Odivelas.

Na verdade o Acordo firmado entre os Municípios de Loures e Odivelas consubstancia de facto uma “circunstância superveniente” que impossibilita o objeto da concessão. Tal foi possível porque a CDU assumiu a Presidência do Município de Loures nas eleições autárquicas de Setembro de 2013 e o Presidente da Câmara Municipal, Bernardino Soares, honrando os compromissos eleitorais tomou a iniciativa de abrir um processo negocial com a Câmara Municipal de Odivelas, o que permitiu que as duas partes tenham chegado a acordo num curto espaço de tempo.

Este é o caminho que os órgãos municipais de Odivelas estão a trilhar, assumindo as suas competências e assegurando que, de forma partilhada, assumam as necessidades de investimento neste dois concelhos e o reforço da qualidade do serviço prestado às populações.

5. Os vereadores da CDU tomaram conhecimento na última reunião de Câmara Municipal de Odivelas, de 21 de Maio, do teor da carta dirigida por um Juiz do Tribunal de Contas questionando a Presidente do Município pelas decisões tomadas neste domínio.

A CDU considera que a Sra. Presidente da CMO deverá tomar as diligências necessárias no plano institucional, com vista designadamente a apurar a responsabilidade pelo teor e objetivos que norteiam esta carta (já que os seus conteúdos revelam falta de informação relevante sobre todo este processo e igualmente falta de imparcialidade na análise das soluções) procedendo aos esclarecimentos que julgue adequados e necessários.

Os eleitos da CDU na Câmara Municipal de Odivelas consideram que com serenidade e firmeza deve ser defendida a total legitimidade dos seus órgãos autárquicos decidirem pela gestão pública da água e dos resíduos sólidos».

 Sandra Pereira não respondeu

 Na sua qualidade de presidente da PSD Odivelas, também pedimos a Sandra Pereira um comentário a este ofício. No entanto, apesar de em contato telefónico ter aceite o pedido e dizer que iria enviar, até ao fecho desta edição, mais de vinte e horas após o prazo estabelecido, não tínhamos recebido qualquer comentário pelo que lamentavelmente não poderemos informar os nossos leitores da posição do PSD Odivelas sobre o assunto.