DSC_0001Funcionam desde 1985 numa velha quinta de 2 hectares, no Lugar D’Além, na freguesia de Caneças, cedida pela Obra de Nossa Senhora do Amparo, cuja recuperação lhes custou cerca de um milhão de euros. Estão ligados ao Movimento Emaús internacional e vivem em verdadeira comunidade acolhendo, sem perguntas, quem deles de aproxima. Atualmente são cerca de 30 companheiros, como gostam de designar aqueles que acolhem, para além dos três responsáveis comunitários e de alguns voluntários que asseguram a vida da quinta e os trabalhos de recuperação dos bens doados destinados à venda e cuja receita assegura as despesas da comunidade.

 

Foi no sábado, 01 de fevereiro que se assinalaram os 60 anos sobre o ato que deu origem ao Movimento Emaús que hoje conta com mais de 300 comunidades ao todo o mundo: Aos microfones da Rádio Luxemburgo, o fundador do movimento, o padre católico Abbé Pierre lançou um comovido apelo que mobilizou milhares de pessoas para acorrer em auxílio das pessoas sem-abrigo, que nesse rigoroso inverno francês estavam a estavam a morrer em consequência do frio.

A propósito desta efeméride o Odivelas Notícias, numa tarde chuvosa desta semana, foi a Caneças para conhecer melhor esta comunidade que acolhe pessoas sem-abrigo mas também outras pessoas que pelos mais variados motivos procuram a comunidade para viver.

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Fomos recebidos por um dos responsáveis. Humberto, sem apelido revelado, porque é assim que a comunidade funciona. Quem chega apenas tem de dizer o seu nome de baptismo, sem apelidos, sem história de vida, sem invocar motivos e sem obrigação de tempo de permanência. Entram quando entendem, saem quando desejam. «Os companheiros são pessoas que por qualquer motivo, tiveram um problema na vida, ou andavam na rua, ou tiveram um divórcio que correu mal, um trauma qualquer, Nós não sabemos, não perguntamos. O companheiro bate ao portão, perguntamos o primeiro nome, explicamos o que estamos aqui a fazer e propomos-lhe participar no projeto e ele integra a vida normal da comunidade. Passa a viver cá, a ter o apoio da comunidade na comida, dormidas, roupa e cuidados médicos e algum dinheiro para gastos pessoais. O companheiro ganha um estatuto de doador, de criador de riqueza e de partilhador, invertendo-se assim o esquema da exclusão. O material que ninguém quer e as pessoas que foram excluídas tornam-se uma riqueza que podemos partilhar com quem mais precisa». Para além dos companheiros existem «Os amigos da comunidade, voluntários, que vêm nas horas vagas, quando podem, e dão uma ajuda». 

A origem da Comunidade Emaús de Caneças encontra-se num grupo der amigos que fazia visitas a presos, organizava jantares de Natal e outras atividades solidárias. Depois, com a cedência da quinta no Lugar D’Além começou a formar-se a comunidade e o acolhimento de pessoas «Muito devagarinho».

O Movimento Emaús Internacional manteve durante uns tempos a organização, no Verão, de campos de jovens voluntários. Em 1995 foi em Lisboa, no Campo Grande, no espaço que pertencia à engenharia militar e é hoje a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Esse evento trouxe uma nova dimensão à Comunidade Emaús de Caneças. «O Movimento Emaús não vive de subsídios. Nós não recebemos dinheiro nem de particulares, nem de empresas, nem de organismos da Administração Central ou Local e só com o aumento da atividade juntar algum dinheiro para iniciar as obras na quinta, que estava a cair».

A atividade principal e também o principal sustento da comunidade são as recolhas de bens que as pessoas já não querem e oferecem á comunidade. De terça a sábado as carrinhas da comunidade fazem essa recolha de mobiliário, louças, electrodomésticos, livros, brinquedos, roupas, enfim tudo o que possa ser depois vendido nas lojas existentes na quinta ou nas várias feiras que ao longo do ano a comunidade promove para escoar esses bens. Algum material pode ir directamente para as lojas mas a grande maioria tem de ser restaurado ou recuperado e é ai que entra o trabalho dos membros da comunidade.

A comunidade Emaús de Caneças pretende ser uma alternativa de vida para os seus membros. «Juntar quem  está excluído com quem não tem problemas para juntos tentar fazer alguma coisa, desta maneira, trabalhando e partilhando. Os companheiros que vêm alguns ficam meia dúzia de dias, para encher a barriga, descansar um bocadinho e voltam a partir, porque não se sentem bem aqui ou porque têm outro projeto. Outros ficam cá anos. Temos companheiros que estiveram cá muitos anos e que morreram aqui tendo feito da comunidade uma opção de vida. A comunidade não é para um caso ou outro, está aberta a todos os casos. Não é um projeto de inserção é um projeto de vida comunitária e alternativa».  

Apesar do Movimento Emaús ter sido fundado por um padre católico, Abbé Pierre, «Ele próprio não quis que as comunidades fossem religiosas. Algumas são mas a grande maioria não é. Ele achava que seria um fator de exclusão e por isso optou por pedir aos grupos que não fossem religiosos».

A comunidade está também aberta a mulheres mas apenas uma lá se encontra a viver e desde o início. No grupo de voluntários há algumas mulheres mas na comunidade não. Humberto não sabe explicar porque é que as mulheres não aderem à comunidade mas garante que as portas estão sempre abertas. Apesar de não perguntarem a idade a ninguém Humberto estima que neste momento o companheiro mais novo ronda os 30 anos e o mais velho os 70.

Em termos económicos a vida da comunidade nem sempre é fácil. Vivendo apenas das receitas que geram em meses de menores vendas é mais complicada a gestão. Noutros anos, antes da crise que Portugal atravessa, o orçamento anual da comunidade chegou a ser de 300 mil euros. «A crise também nos toucou a nós. No caso da roupa em segunda mão, por exemplo, vende-se mais, talvez pela crise, mas noutras peças mais caras as vendas diminuíram». A roupa recebida é triada e a que está em condições vai para a loja e a outra é vendida ao quilo, como trapos, a empresas de reciclagem.

No que diz respeito aos móveis a comunidade dispõe de um grupo de restauro que trabalha muito bem e há pessoas que vão ali propositadamente para adquirir esses móveis, inclusive antiquários e comerciantes.

As lojas estão divididas em várias áreas. O material melhor e mais caro está numa loja separada, assim como os livros. Outra loja tem os móveis e eletrodomésticos mais correntes e ainda a loja social onde se pode comprar uma cama por 25€, uma cómoda por 25€ um maple por 35€, ou um roupeiro por 30€.

Nas lojas da comunidade podem encontrar-se as mais variadas coisas e a preços muito inferiores aos praticados no mercado e é pena, segundo os seus responsáveis, que a maioria das pessoas desconheça esta realidade, porque realmente é muito vantajoso adquirir as coisas aqui.

Para além das vendas a comunidade também aluga adereços e mobiliário para filmes ou telenovelas.

Para além de assegurar o funcionamento da comunidade as receitas, nos melhores anos, permitiam ainda partilhar com outras instituições apoiando projetos através do Movimento Emaús Internacional.

Vale a pena conhecer esta comunidade singular. Se ainda não conhece passe por lá, de terça a sábado e quem sabe se não encontra aquilo que precisa a um preço incrível.

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