rbpEm pleno século XXI, a Maçonaria provoca ainda reações adversas, proliferando sobre ela milhares de lendas e histórias erróneas. A Maçonaria tem, desde sempre, acolhido homens de todas as convicções políticas e religiosas. Para um profano (i.e. um não iniciado) se tornar um maçom, é exigida a crença na existência no Grande Arquiteto do Universo (GADU) e na imortalidade da alma, sendo dentro desta construção moral que a Maçonaria trabalha. Pretende, assim, tornar homens bons em homens ainda melhores, construindo dentro de cada Irmão um templo de virtudes e realizações éticas.

Pese embora os propósitos da Maçonaria sejam questionados essencialmente pelos desinformados, as portas dos seus templos estarão sempre abertas para dar as boas-vindas a todos os homens livres e de bons costumes, não obstante a religião que professarem (i.e. cristãos, judeus, muçulmanos, budistas ou quaisquer outros).

Não é, pois, de estranhar que a lista de “ilustres” que eram ou são Pedreiros-Livres seja enorme. Provavelmente, até aqueles que dizem ter sérias reservas sobre a Maçonaria reverenciarão alguém que poderá muito bem ter sido iniciado nos seus mistérios.

Reis, clérigos, músicos, artistas, cientistas, escritores, médicos… A lista de notáveis Maçons é infindável. Entre os seus grandes vultos encontramos, por exemplo, Afonso Costa, Alexandre Herculano, Alfredo Keil, Almeida Garrett, António Augusto de Aguiar, António José de Almeida, Bissaia Bareto, Bocage, Camilo Castelo Branco, Carlos Mardel, Castilho, o Duque de Loulé, o Duque de Saldanha, Eça de Queiroz, Egas Moniz, Elias Garcia, o rei D. Fernando II, Gago Coutinho, Gomes Freire de Andrade, Henrique Lopes de Mendonça, Miguel Bombarda, Norton de Matos, A. H. de Oliveira Marques, o rei D. Pedro IV, Raul Solnado, Raul Rego, Ribeiro Sanches, Teófilo Carvalho dos Santos, Viana da Mota, entre muitos e muitos outros. Se pretendêssemos enunciar todos os mais ilustres Maçons de Portugal, muito possivelmente necessitaríamos de um livro dedicado à sua enumeração.

certificadoNessa listagem também encontramos, sem que tal seja razão de grande surpresa, o nome de Raphael Bordalo Pinheiro.

Acérrimo defensor da liberdade de expressão (tão importante nos seus trabalhos), encontra da Maçonaria o reflexo perfeito desse seu grande ideal. Com 29 anos, abraça os ideais da Maçonaria e é iniciado em 1875 na Loja Restauração de Lisboa. Segundo uma antiga tradição maçónica, Raphael Bordalo Pinheiro adota um nome simbólico, tendo escolhido o nome de “Goya”. Fiel a si mesmo, Raphael escolheu como mentor iniciático o pintor espanhol Goya, esse artista espantoso em cuja obra se combinam as notações grotescas, as visões de pesadelo, o escarninho dos rostos e as denúncias da crueldade.

«A Maçonaria é uma Ordem iniciática e ritualística, universal e fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objetivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista á edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária».

Ao entrar para a Maçonaria e, portanto, enquanto Maçom, Raphael Bordalo Pinheiro permitiu-se a possibilidade de se aperfeiçoar, de se instruir e de se autodisciplinar, convivendo com pessoas que, pelas suas palavras e obras, revelaram-se exemplos de vida e de pensamento. Raphael, Maçon, passou a ser um pedreiro-livre, categorização que poderemos traduzir como livre-pensador.

É sabido que Raphael Bordalo Pinheiro foi iniciado na arte real (expressão sinónima de Maçonaria) e foi apurado a que grau interno à Maçonaria terá chegado. Concretamente, no seu grau primário de aprendiz, sabemos que muito rapidamente se identificou com a pedra bruta, sinónimo de trabalho sobre si mesmo por forma a transformar-se futuramente em cúbica, apta às exigências construtivas. Transaccionalmente, seria o homem que se iria polindo através do contacto com os seus irmãos por via de ensinamentos, em grande parte simbólicos.

 Abordando agora (e muito sucintamente) a história da Ordem Maçónica, é relevante dizer que a mesma é herdeira das associações de artistas do Mundo Antigo, especialmente do Egipto, da Grécia e de Roma, e está ligada cronologicamente às corporações de pedreiros da Idade Média (século VIII). Existem mesmo indícios de que o chefe destas corporações passou a designar-se em Inglaterra a partir de 1278 por mestre maçon, o mesmo sucedendo em França com a construção da catedral de Notre-Dame (1283). É o período histórico ao qual é inerente o grande apogeu da maçonaria operativa (ou de operários-construtores).

Os segredos e códigos dos Maçons assim como outros conhecimentos estão vedados a elementos estranhos aos seus trabalhos, pois a sua divulgação com a entrada dos mesmos no conhecimento público implicaria a perda de várias das suas prerrogativas. Por esse motivo, ainda hoje são transmitidos secretamente nas lojas (local de reunião dos Maçons) pelos mestres aos discípulos de reconhecida aptidão e honorabilidade, transmissão essa sempre precedida de um juramento solene.

No mundo profano (não maçónico), a Maçonaria é, em parte, interventiva através de instituições que têm “vida” própria. Em Portugal, essas instituições ditas paramaçónicas existem na sociedade civil desde do séc. XVIII, especializando-se em atividades sociais, de beneficência e de cultura, instituições essas que Raphael Bordalo Pinheiro ele próprio frequentava.

São exemplos destas instituições: a Academia das Ciências, as “Escolas Livres” e A Voz do Operário. As associações paramaçónicas também intervieram para criar estruturas laicas na vida social, como a Associação Liberal Portuguesa (1889) e a Associação do Registo Civil (1895). Temos ainda relatos de grupos de combate à escravatura e à pena de morte fundados no século XIX com ampla participação maçónica, assim como de alguns movimentos constituídos no século XX para lutar contra a prostituição, o alcoolismo e o jogo.

Falando agora dos instrumentos dos “pedreiros“, estes têm inerentes sentidos simbólicos: o esquadro serve para regular as ações; o compasso para dar o sentido dos limites; o avental, símbolo do trabalho, indica a simplicidade dos costumes e a igualdade; as luvas brancas recordam ao Maçon que nunca deve manchar as mãos com a iniquidade; e a Bíblia tem por finalidade última regular ou governar a fé.

avental_2A finalidade da Maçonaria, à luz da sua Constituição, é a construção de um templo de fraternidade universal baseado na sabedoria, na força, na beleza, na prática da tolerância religiosa, moral e política, na luta contra todo o tipo de fanatismo e no exercício da liberdade. Essa constituição é conhecida por Constituição de Anderson, a qual regula os Francos-Maçons desde 1723 e é considerada como sendo o principal documento e a base legal da Maçonaria Universal, que aos poucos foi substituindo os preceitos tradicionais que até então regulavam as atividades da Maçonaria Operativa.

Assim, os instrumentos simbólicos que são atribuídos ao aprendiz maçon para o seu aperfeiçoamento são o martelo e o escopro, próprios ao desbaste da pedra bruta já referenciada. Já os companheiros, grau imediatamente seguinte ao de aprendiz, requerem instrumentos de maior precisão, nomeadamente o esquadro, o nível, a perpendicular, a alavanca e a régua. Estes ascenderão, eventualmente e por fim, à condição de mestres. Atingido esse grau, que poderá demorar anos a obter, o Maçon está em condições de ajudar novos obreiros no seu percurso iniciático.

Os maçons reconhecem-se entre si como irmãos, identificando-se com toques, sinais e palavras, permitindo dessa forma e em qualquer sítio saber se alguém foi iniciado como Maçon. Raphael, indubitavelmente, era reconhecido e reconheceria Maçons desta forma, mundialmente.

A Maçonaria é universal por extensão de seus iniciados. É inclusiva dos bons costumes dentro da sociedade. Ela é provedora de uma filosofia e de uma Fraternidade onde os “irmãos” podem se encontrar no mesmo nível. Ela une todos os homens num laço místico de fraternidade sincera, amor mútuo, fé e trabalho, estando unidos em todos os lugares como construtores que trabalham pela paz e pela harmonia. Dessa forma, não é de estranhar que grande parte dos amigos de Raphael Bordalo Pinheiro, assim como os seus colaboradores e apoiantes, fossem igualmente Maçons.

Encontramos isso mesmo num texto de Magalhães Lima  (foi durante largos anos Grão-mestre do G:.O:.L:.) que nós diz:

«O Século, folha republicana, que tenho a honra de redigir desde o seu primeiro número, apreciando não há muito ainda, a poderosíssima organização de Raphael Bordalo Pinheiro, escrevia o seguinte:

Assim como na banalidade política portuguesa há a figura grotesca e oca de Arrobas, o tigre, no jornalismo peninsular há a figura eminentemente viva, original e cintilante de Bordalo Pinheiro, um artista, que vale um exército, um propagandista que vale uma revolução.

Bordalo Pinheiro é para a sociedade portuguesa contemporânea o que Tacito foi para o império romano, quer dizer, o seu cronista mais justo e mais indignado. Há no poderoso temperamento d’este extraordinário artista a nota alta e vibrante, que faz lembrar as cóleras de Danton e a eloquência de Verginaud. É assombroso e é único.

Cada caricatura d’este artista é um grito de revolta contra a conspiração secular do espirito monárquico-fradesco, que fez de Portugal esta nação mole e incaracterística, sem vida e sem alma, que aí anda a matroca no grande mar da civilização europeia, sem rumo e sem individualidade. Bordalo Pinheiro vinga-nos de toda esta espantosa decadência, demonstrando quotidianamente, pelas cintilações do seu génio artístico, o que pode ser para a elevação da alma d’um povo um espirito vigoroso e fecundo.

Bordalo Pinheiro é como artista um revolucionário e como revolucionário um criador.

Com a transcrição d’estas linhas, quero de antemão significar aos que me lerem que não é meu intuito desenhar aqui o perfil literário de Bordalo Pinheiro, mas unicamente critica-lo sob o ponto de vista revolucionário e demolidor. Será essa a minha missão como homem político que sou, e é esse também, em meu juízo, o alvo a que certamente mira a Galeria Republicana: – aproveitar dos biografados tudo quanto eles têm produzido de útil e de salutar em favor do ideal moderno, isto é, em favor da justiça e da democracia.

Bordalo Pinheiro é, acima de tudo, um republicano. As suas obras são justamente colossais, pela verdade que encerram e pelo ideal que as inspira. Podia Bordalo Pinheiro ser um sectário ferrenho do monarquismo ou do clericalismo; os seus trabalhos haviam porém, de ressentir-se naturalmente de uma falsa noção de arte, como falsa e mentirosa é também a doutrina monárquica e clerical; o seu génio amorteceria irremissivelmente, e a sua faculdade inventiva estiolaria, sem dúvida, á mingua de seiva e de vibração cerebral.

Considerando-o assim, o nosso intento é evidentemente prestar homenagem decidida e sincera ao primeiro demolidor português e ao mais ardente e terrível propagandista dos princípios democráticos entre nós. Insistamos na frase acima transcrita, porque nunca se perde em insistir na verdade: “Bordalo Pinheiro é como artista um revolucionário e como revolucionário um criador”.

Data do Calcanhar de Aquiles a celebridade de Bordalo, como o único e já agora o inimitável criador da caricatura em Portugal. Na sociedade portuguesa o seu lugar é perfeitamente correspondente aos ocupados no estrangeiro por Cham, por Gill, por Ortega, por Henry Monier, por Cruiskshand. Em abono da verdade, seja-nos porém licito notar, que, relativamente ao meio em que vive e á escassez de elementos estéticos, que o rodeiam, Bordalo é superior a qualquer dos supramencionados artistas, não só pela delicadeza do traço como pela exatidão dos desenhos, não só pela conceção, perfeitamente genial, que preside a todas as suas obras arrojadíssimas, como pelo ideal de justiça e de verdade, que, em tudo e por tudo, transparece nos seus trabalhos monumentais.

«Depois de alguns meses de correria artísticas por terras de Espanha – refere conceituosamente o seu inseparável e único companheiro, Guilherme de Azevedo – adormecendo ao som das malaguenhas e acordando ao ruido das fuziladas, Bordalo Pinheiro volta a Lisboa e desenha então a Lanterna Mágica em que as suas supremas qualidades de caricaturista se acentuam definitivamente.

Da mesma forma que Henry Monier criara em França, dando-lhe formas lineares, sensíveis, o tipo de Joseph Prudhomme, a encarnação do espirito constitucional e burguês de França, Raphael Bordalo cria na Lanterna Mágica, o Zé-Povinho, a representação simbólica da ingenuidade lorpa da sua terra.

Isto é, Bordalo Pinheiro, achara, como um supremo artista, a formula exata, representativa do estado social e politico de Portugal, da mesma forma que Henry Monier, achara a da França».

Da vastíssima galeria de tipos, criados e iluminados pelo lápis cintilante e sempre fecundo de Bordalo Pinheiro, é seguramente Zé-Povinho, um ingénuo, um eterno explorado pela corrupção monárquica e clerical do nosso tempo, o tipo mais completo e mais bem acabado. Zé-Povinho, na sua encarnação lorpa e boçal, não é apenas uma figura qualquer, feita para despertar o riso e a gargalhada das multidões. Longe d’isso, ele por si personifica uma sociedade aviltada pela opressão dos grandes e dos poderosos em que o abuso é lei, a imoralidade norma de vida, e a ignorância e a miséria o único fim dos governos, que há perto de sessenta anos nos têm espoliado e escravizado em proveito próprio, quando não nos espoliam e escravizam em proveito da cúria romana ou do estrangeiro.

Bordalo Pinheiro, criando este admirável tipo, fazendo girar todos os acontecimentos nacionais em redor d’um personagem, tão profundo de verdade como generoso e grande nas intenções e no espirito, provocou por si a anarquia no existente e proclamou bizarramente o realismo na arte e a dignidade na politica.

E’ por isso que o António Maria e o Álbum das Glorias, são hoje das publicações mais notáveis do mundo – precisamente porque representam uma obra justa, uma obra verdadeira, uma obra humanitária, uma obra de emancipação politica e social. E por isso é também, que o povo – a grande massa produtora e trabalhadora por excelência – consagra a Bordalo Pinheiro a mais viva simpatia e o mais desinteressado entusiasmo – precisamente porque ele é apostolo sincero de uma causa santa, e porque é o campeão audacioso dos seus direitos ultrajados e das suas liberdades escarnecidas. Mais tarde, quando a historia, no seu juízo recato e inflexível, tomar conta d’esta época, há de apurar em Raphael Bordalo Pinheiro uma consciência altiva, um espirito soberano, que soube compreender, identificando-se com eles, o ideal dos que sofrem e a aspiração dos que anseiam por um reinado de luz e de bem-estar social. E nem mais é preciso para a imortalidade de um artista ante a historia e ante a consciência humana! Bordalo Pinheiro conseguiu já o que a poucos tem sido dado conseguir em vida – o ser um imortal perante as gerações presentes e futuras!…

A caricatura no desenho, como a ironia na literatura, como a ópera cómica no teatro é perfeitamente do nosso meio e do nosso tempo. Raphael Bordalo é, sobretudo, um artista de uma atualidade palpitante; vivo; rápido; originalíssimo na conversação, amando por igual o imprevisto e o extraordinário, de uma dedicação única, como amigo e como companheiro. E’ um intransigente, que procura satisfazer á sua consciência, pondo invariavelmente de parte os seus interesses e as suas conveniências pessoais. Foi por isso que no Brasil não fez fortuna, e é por isso que em parte alguma do mundo logrará fazê-la, estou convencido.

Impressionável por temperamento, como todo o artista, há nele todavia um traço que o caracteriza salientemente – a compreensão nítida dos seus deveres, como homem e como revolucionário. Para Bordalo, assim como para nós outros, os republicanos, há princípios que se defendem e injustiças que se combatem. E n’este sentido, por tal forma ele tem preenchido a sua missão na sociedade portuguesa que conseguiu já ser um homem temido e perigosíssimo, o máximo a que se pode aspirar num país, bestializado pelo fanatismo religioso e nunca assaz explorado pelos comilões do orçamento monárquico…

Muito ao correr da pena aí fica um dos traços fisionómicos deste grande revolucionário, deste eminente artista, tal qual o fantasiámos na nossa humildade politica. Não nos pertence a nós certamente o encara-lo por outro lado diverso do que aquele por que o fizemos n’esta ligeira apresentação. Escritores abalizados se têm ocupado dele com respeitosa admiração. O seu nome é hoje universal. Não pertence a este ou aquele povo. Pertence á história de todos os povos. O que dele se tem escrito é nada, relativamente ao que do seu extraordinário trabalho está ainda por escrever.

No dia 13 do corrente faz três anos que o António Maria, o valente soldado da revolução portuguesa, saiu pela primeira vez á luz da publicidade. Cabe-nos deste modo a honra de enviar daqui envolta com a nossa saudade profundíssima por Guilherme de Azevedo, um cronista inimitável e um amigo nunca esquecido, as nossas mais ardentes felicitações ao nosso querido amigo, ao grande e benemérito artista Raphael Bordalo Pinheiro. – Que ele as receba tão sinceras, como sincera é a admiração que lhe consagramos».

Raphael Bordalo Pinheiro é iniciado quando em Portugal se vivem e se sentem os ventos de mudança. Os republicanos conspiram para derrubar a monarquia e grande parte desses conspiradores são maçons ou membros da carbonária (Primos dos Maçons, em jargão histórico-maçónico). Assim, dentro da sua Loja Maçónica são abordados temas importantes como o percurso filosófico e político de Portugal (e.g. a divulgação do Iluminismo, no século XVIII para a construção republicana), mas também o religioso, literário ou artístico. Encontramos referências a estes temas nas suas obras e desenhos da altura.

Logo após ter sido iniciado, foi chamado ao Brasil onde fez uma vastidão de amigos, muitos deles igualmente maçons. Não é a isso estranho o facto de que no Brasil a Maçonaria sempre teve muita força… Basta para tal pensar que foi graças à Maçonaria que o Brasil se tornou independente.

Fora dos vultos da boémia artística brasileira que Raphael Bordalo Pinheiro encontra, há um pequeno reduto de rancor que se aperfilha entre os magnatas da Finança e da Política. Raphael Bordalo Pinheiro presenteou as Terras do Brasil com as folhas O Mosquito, Psit!!!  e O Besouro. O Zé Povinho, que tinha nascido no Verão de 1875, logo após ter sido iniciado, foi com ele, aparecendo como cúmplice menor em crónicas figuradas da realidade social do povo brasileiro.

Regressado a Portugal, e como republicano assumido, deu asas à sua liberdade de pensamento e de expressão através dos seus jornais, entre eles O António Maria (primeira série, entre 1879 e 1885), Pontos nos ii (entre 1885 e 1891), outra vez O António Maria (segunda série, entre 1891 e 1893) e finalmente A Paródia (entre 1900 e 1905/06). Neles cinzelou pranchas (nome simbólico que se atribui aos trabalhos dos Maçons) cheias de força e vigor, regadas com riso e com o perfume da ironia, da sátira e da pesada denúncia do burlesco. Foram elas as crónicas mais exaustivas que alguma vez surgiram em Portugal. Todas elas chegam aos ouvidos da corte portuguesa e das mais altas figuras do Estado, tais como o rei D. Luís, o rei D. Carlos I, os ministros Fontes Pereira de Melo, Anselmo Braamcamp, Rodrigues Sampaio, financeiros como Burnay, escritores Ramalho, Eça, Junqueiro, Antero (todos maçons) e figuras típicas e tantos, tantos mais.

Encontramos em algumas das suas obras uma sátira à igreja católica, talvez porque a relação da Igreja Católica com a Maçonaria conheceu sempre grandes períodos de tensão, sobretudo a partir do séc. XVIII, onde nas décadas de 1720 a 1740 a Maçonaria penetrou em força em toda a Europa assustando a Igreja e a força do Papa. Como é genericamente sabido, o Papa Clemente XII, em 1738, promulgou a primeira bula de excomunhão de todos os maçons, dando origem a uma longa serie de documentos papais a condenar todas as Ordens Maçónicas, chegando mesmo a ordenar à Santa Inquisição que perseguisse todos os pedreiros-livres.

Raphael Bordalo Pinheiro, na madrugada de 23 de Janeiro de 1905 e devido a problemas de coração, parte para o Oriente Eterno (i.e. falece) onde o G:.A:.D:.U:. o aguardava.

Raphael pode ter morrido no princípio do séc. XX, mas a atualidade da sua obra faz com que seja intemporal. Foi um pedreiro-livre completo, realizando o sonho de qualquer Maçon, pois conseguiu ser um desenhador e aguarelista, ilustrador de obra vasta dispersa por largas dezenas de livros e publicações, precursor do cartaz artístico em Portugal, decorador, caricaturista político e social, jornalista, ceramista e professor … Enfim, um homem-livre e de bons costumes.