A Frente Nacional (FN), partido francês de extrema-direita, xenófobo e racista, concorreu em mais circunscrições eleitorais, nas eleições municipais francesas, do que nunca tinha feito.

Como não tinha militantes e simpatizantes suficientes para tamanha empreitada, recorreu a diversos expedientes, qual deles o mais soez.

Desde obter assinaturas, nas ruas, em declarações de aceitação de candidatura, dizendo que era apenas para apoio, valendo-se da ignorância ou da distracção dos passantes, até incluir imigrantes nas listas.

Quando questionada sobre esta contradição, pois a FN é retintamente anti-imigração, Marine Le Pen não mentiu, respondendo, hipocritamente:

– Enquanto a lei o permitir, vamos aproveitando.

Sabe-se que a FN quer ver revogada a lei que permite aos imigrantes votarem e serem candidatos nas eleições municipais francesas.

Embora não tenha conquistado nenhum município de relevo, a FN teve um resultado de quase 7% a nível nacional e é provável que aumente, significativamente, o número de eleitos em presidências e em vereações.

Mas existem outras conclusões a tirar tendo em vista os locais onde a FN teve sucesso e os motivos da sua subida de votação a nível nacional.

Com poucas responsabilidades governativas anteriores, mesmo a nível local, a FN, com muita demagogia e não menos populismo, capitalizou o descontentamento face a governações locais desastrosas, quer do PS, quer da UMP (União Para Um Movimento Popular) franceses.

Municípios mal geridos, com muito endividamento, nepotismo e relações perigosas com empresas, levaram os eleitores a ser obrigados a ouvir a FN.

Alguns locais onde a FN teve audiência e resultados são zonas operárias, elegendo antes comunistas e socialistas, mas actualmente com as maiores taxas de desemprego e de desespero de vida da França.

Uma das mais importantes conquistas da FN nestas eleições foi a de um sector de Marselha onde existe muita pobreza e criminalidade.

Pior que isto é que quase um terço dos franceses concorda com Marine Le Pen, não com o seu programa, mas com as diatribes de fácil deglutição que lança sobre os políticos franceses, que deixaram o desprestígio da classe cair a um grau tal que os eleitores, ou se abstêm cada vez mais – 38%, nestas eleições, um recorde em municipais francesas – ou ouvem os cantos de sereia do extremismo.

Mas não é só em França.

Este tipo de extrema-direita ganha terreno em meia Europa. Hungria, onde governa, Grécia, Letónia, Holanda, Alemanha e até em Inglaterra, onde um novo partido deste género lidera as sondagens.

E quando não é a extrema-direita é o extremo-populismo, antipolítico, tipo 5 Estrelas, italiano, que chegam ao coração e à decisão dos eleitores.

Falência da democracia? Não.

Trata-se do mau uso que a generalidade dos responsáveis políticos fazem dos poderes que têm e do mandato que os eleitores lhes deram.

Quem é responsável pela crise económica que bateu à porta dos europeus e está a ameaçar as raízes progressistas, humanistas e solidárias em que assenta o projecto europeu, tem que dar a mão à palmatória e refundar essa Europa dos afectos, da solidariedade colectiva e da procura do bem estar para todos.

E somos nós todos que o temos de fazer. De ressuscitar a valia dos sistemas de representação virtuosos, de fazer a apologia e a concretização das correntes ideológicas democráticas.

Isso faz-se com mulheres e homens que abracem a causa pública com inteiro desprendimento pessoal e formação ética e moral à prova de fogo.

Mulheres e homens que pugnem, em palavras e em actos, pela dignidade da pessoa humana, qualquer que seja a raça ou a cor da pele, pelo sentimento de justiça, pelo respeito devido ao trabalho e aos trabalhadores, aos jovens e aos idosos, pela repartição mais justa do bem-estar entre os homens, pelo desejo de paz entre as pessoas e entre as nações.

Mulheres e homens que não busquem, exclusivamente, o interesse e o poder, considerando as solidariedades sociais como consequências mais ou menos automáticas de iniciativas individuais e não como fim e motivo da organização social.

Sabemos o que a extrema-direita faz quando chega ao poder, em muitos casos através de eleições, onde o desespero e o desencanto dos eleitores os levaram para essas opções face a anos e anos de actuação de políticos de cartola, com a alma corrompida e o coração duro.

Tivemos essa experiência em quase toda a Europa, em meados do século passado, Portugal incluído.

Também sabemos porque a democracia representativa actual tem falhado. Não é por causa dela mesmo, mas por causa dos seus (maus) intérpretes.

É por isso que as eleições europeias de Maio se revestem de grande importância.

Por toda a Europa a extrema-direita vai procurar ter uma subida exponencial na sua representação.

Mal iríamos se o Parlamento Europeu tivesse uma grande mancha desse lixo tóxico, desses Judas, que são um insulto à Europa democrática e dos valores.

É por isso que a participação dos eleitores nestas eleições é de extrema importância.

Votar nos partidos democráticos e isolar os extremismos é um desígnio nacional e europeu.

Espero que os grandes debates para estas eleições não fiquem reduzidos às querelas domésticas comezinhas e que sejam discutidos e depois escrutinados, os projectos que façam levantar a situação económico-social da Europa, de todos e de cada um dos seus povos, para que, através disso, seja coberto o pântano onde germinam as ideias verminosas, para que os europeus voltem a acreditar neste velho continente e nos seus políticos.

Tanto tempo de vida que leva a humanidade e ainda tanto ódio, tanto extremismo nas ideias e nos actos, tanta falta de amor.

Mas também tanta cobardia em trabalhar pelos direitos fundamentais da pessoa humana.

Todos temos uma tarefa para conseguir o desenvolvimento, para eliminar a pobreza, a ignorância, a doença e o sofrimento, mas também para acabar com a intolerância, o ódio, o racismo e a xenofobia.

Nestes dias essa tarefa passa por levar muita gente a votar no dia 25 de Maio.

João Carvalho

Jurista

jrlcarvalho@sapo.pt