Tem 76 anos e nasceu em Vila Caiz, no concelho de Amarante. Desde muito novo que se interessou por causas e questões sociais, primeiro no âmbito religiosos e mais tarde com fundamento político. Despoletou uma greve na Barragem de Miranda do Douro, foi 1º cabo na GNR, e administrativo na Sacor. Tinha 38 anos quando se tornou militante do PCP e mais tarde iniciou a sua atividade de autarca. Foi eleito na Assembleia de Freguesia de Odivelas, e membro do executivo, presidente da Junta de Freguesia da Ramada desde a sua criação e durante 16 anos e vereador na Câmara Municipal de Odivelas. Nestas eleições autárquicas foi eleito presidente da União das Freguesias de Ramada Caneças. Chama-se Ilídio Magalhães Ferreira e é o escolhido nesta edição para a homenagem semanal que o Quadro de Honra do Odivelas Noticias presta a quem dedica a sua vida a causas e ideais.

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 «Em Amarante, trabalhei de enxada, pá e pica nas terras da família»

 Foi na sua terra natal que fez o ensino primário. Com a quarta classe feita e pouca idade foi obrigado pela dureza da vida daqueles tempos a trocar os livros de estudo pela enxada, pá e picareta. Nas terras da família, com plantação de vinha, abriu muitas valas para as estacas das vides.

Os sonhos eram maiores que a dureza dos trabalhos e o jovem Ilídio tinha, nessa altura o sonho de rumar a Lisboa e poder estudar e melhorar a sua vida. Mas, enquanto trabalhava nas vinhas já encontrava tempo para atividades de carácter social tendo sido ativista da Juventude Agrária Católica.

Aos 18 anos ofereceu-se como voluntário para o exército, porque sendo militar podia votar. Cumpriu três anos participando em diversas manobras.

Entretanto trabalhou na construção da Barragem de Miranda do Douro para uma companhia estrangeira. «Aquilo era uma exploração terrível. Organizei uma greve e contei com o apoio de muitos operários. Todos os grevistas foram postos na rua mas no dia a seguir todos foram readmitidos… Menos eu!».

Tinha 21 anos quando finalmente ganhou asas e voou para Lisboa, estávamos no ano de 1958, ano das eleições presidências que contaram com a candidatura de Humberto Delgado contra o presidente do regime, Américo Tomás. Sem hesitações o jovem Ilídio Ferreira apoiou o General Sem Medo, mesmo contra a vontade da sua família, especialmente do seu pai, homem do regime e salazarista incondicional.

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 «Em sete anos de GNR nunca passei uma multa nem prendi ninguém»

 Foi chamado para militar da Guarda Nacional Republicana. «Na tropa era graduado mas na GNR entrei como soldado», mas dois anos depois foi promovido a 1º cabo tendo sido o mais jovem graduado da Guarda em todo o pais. Tinha 23 anos. Com as habilitações que tinha foi posto na 2ª Repartição do Comando Geral, onde teve como chefe de repartição Joaquim Rodrigues de Carvalho «O homem que desviou o Eusébio do Sporting para o Benfica». Em sete anos de militar da Guarda «Nunca andei nos postos territoriais, nunca fiz uma prisão nem passei uma multa»

Foi com essa idade que começou a estudar de novo. Em seis meses fez o 1º e o 2º ano no antigo Liceu Pedro Nunes onde se matriculou com uma intenção definida. «Sempre achei que nos devíamos misturar com quem tem condições. Eles bem queriam que aquilo fosse só para os deles, eu era um intruso».

Fez o 5º ano em Ciências e depois concorreu à Sacor e foi admitido saindo da GNR. «De sábado para 2ª feira passei a ganhar o dobro. Na GNR não me queriam deixar sair porque tinha um contrato que vigorava ainda mais 3 anos. O General Barbieri Cardoso indeferiu o pedido e eu disse ao meu chefe de repartição: Isso não pode ser, não está certo! Se eu der uma chapada num oficial sou expulso com dez dias de detenção e para ir ganhar a vida não posso ir embora. Ele voltou-me as costas foi ao general outra vez e ele deferiu o requerimento dizendo que eu não podia mais servir a Guarda Republicana».

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«Na Sacor estive 32 anos e fui sempre delegado sindical e membro das comissões de trabalhadores»

 Quando entrou para a Sacor já era casado e tinha dois filhos, talvez a principal razão para procurar um emprego onde ganhasse mais para fazer face às despesas.

Na Sacor esteve durante 32 anos. «Estudava, trabalhava e metia-me em tudo que mexia. Meti-me no sindicalismo, participei na revisão do Contrato Coletivo de Trabalho de 1944, em 1969, aproveitando aquela pequena abertura do Marcelo Caetano. Curiosamente na mesma secção sindical estava o irmão do Marcelo Caetano que também trabalhava numa petrolífera».

Na vida não se pode parar e Ilídio Ferreira continuou a estudar e quando se deu a Revolução dos Cravos estava no 2º ano de medicina, continuando a trabalhar na petrolífera. «E, sem horas de dispensa para estudar. Naquele tempo isso não existia. Tinha uma motoreta e era nela que ia da empresa para a escola e depois para casa. Tinha uma aula das 08h00 às 09h00. Às 09h30 entrava na empresa. À hora do almoço tinha outra aula e ia estudando assim. Havia muita gente na faculdade e com a abertura do Veiga Simão as aulas iam até à uma da manhã e eu arranjava sempre aulas a que pudesse assistir fora das horas de trabalho».

Pertenceu aos católicos progressistas e foi administrador da Paróquia do Lumiar mas em 1972 «A PIDE resolveu correr com todos nós e com o Padre também. Fui para a capela do Rato mas também acabei na esquadra porque eramos contra a guerra colonial e em qualquer sítio que estávamos manifestávamo-nos».

Ilídio Ferreira nunca foi preso político. «Não tinha ligação a partido nenhum, apenas pertencia às organizações católicas, e havia uma certa tolerância em relação a esses movimentos. A igreja nessa altura formou muito político porque se voltou muito para os operários e contra as injustiças no trabalho».

Logo que entrou na Sacor a irreverência e sentido de justiça de Ilídio Ferreira levou-o a iniciar um protesto contra o facto de 15 apontadores fazerem o trabalho de escriturário sem terem a classificação e o vencimento correspondente. «Protestei de tal maneira, sem nenhum mandato e os apontadores depositaram logo em mim a representação e aquilo acabou no Ministério das Corporações. O chefe de pessoal era o Santa Clara Gomes, que mais tarde vim a saber que era também dos movimentos católicos. Ganhei a causa, eles foram todos promovidos a escriturários».

Foi com este episódio que começou «O meu empenhamento no movimento dos trabalhadores. Fui candidato à direção do Sindicato dos Trabalhadores dos Escritórios, no dia 26 de abril criou-se uma organização para assaltar o sindicato e correr com as direções fascistas, enfim participei nesses movimentos todos».

Em toda a sua vida profissional na Sacor, e mais tarde na GALP, sempre foi sindicalista, delegado sindical, membro das comissões de trabalhadores. «Tinha mesmo uma grande paixão pelo sindicalismo. Cheguei a ser chefe de departamento e o delegado sindical dos meus subordinados. Fui o primeiro coordenador das comissões de trabalhadores e das comissões de higiene e segurança no trabalho da empresa, fui cofundador da organização da empresa. Fomos nós que criámos da GALP. A primeira greve política foi dirigida por uma comissão de que era coordenador. Nas quatro empresas petrolíferas que mais tarde se fundiram na GALP, a adesão foi de 95% e o Cravinho teve de assinar, à força, a fusão das quatro empresas. Até ai havia quatro empresas nacionalizadas mas que concorriam entre elas. O Mário Soares não queria a fusão porque queria entrega-las outra vez aos patrões. Fomos nós que escolhemos o nome e que escolhemos a cor. Depois o grande capital serviu-se do nosso trabalho, como sempre faz».   

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 A entrada para o Partido Comunista Português

 Ilídio Ferreira tinha muitas ligações com pessoas do Partido Comunista Português e gostava dos comportamentos dessas pessoas e por isso em 1975 decidiu entrar para militante. «Quem é educado com uma formação católica, como eu fui, e com uma igreja que naquele tempo era anticomunista, tem sempre algumas dúvidas e só o contacto com os comunistas, que eu tive antes do 25 de Abril, sem saber que eles eram do PCP, é que me puseram na contradição e acabei por perceber que eles não eram os maus mas os melhores».

Ilídio Ferreira lembra que houve muitas vicissitudes nesse caminho. «O Partido Comunista foi vítima da minha irreverência e da minha incorreção porque eu era muito novo e não percebia que estávamos num movimento revolucionário. Era muito puro e não percebia que as revoluções políticas têm sempre algumas situações que não são compreendidas pelas bases. Eu fui sempre muito sensível e não tinha a formação ideológica suficiente para perceber essas coisas».

Foi candidato na primeira lista sindical de oposição à CGTP. «Perdi… Mas quando eu vejo na fila que me apoiava a malta que sempre combati fez-se luz e percebi que estava no lado errado». Na leitura de Ilídio Ferreira «Houve muita gente que na altura se meteu no Partido Comunista para salvar o pelo. Claro que depois se revelaram o que eram realmente».

Quando incendiaram o Centro de Trabalho do PCP em Braga, a 11 de agosto de 1975, «Eu já estava mais bem formado e informado, achei que era a melhor altura para eu entrar, não tenho o direito de ficar aqui nas “covas” como se diz e não avançar». Na altura a mulher era militante há seis meses e pediu-lhe uma ficha de inscrição. «Creio que na altura foi uma grande surpresa para o PCP eu pedir a ficha. Foi uma experiência extraordinária porque contrariamente ao que as pessoas dizem o Partido Comunista é um partido que se preocupa muito com quem entra e por vezes até há dificuldades de as pessoas se integrarem dentro da estrutura e naquela altura era mais apertado. Eu não tive dificuldade nenhuma e dai a pouco tempo mandaram-me para a escola do partido fazer um curso interno de oito dias. Foi importante.  Ai é que eu comecei a ter formação ideológica. E essa formação consolidou tudo aquilo que eram os meus sentimentos».

Este militante comunista disse-nos o que já tinha dito a um padre amigo, já falecido: «Não percebo como é que a Igreja Católica é tão anticomunista, porque se pegarmos na vida de Cristo, na sua prática, vemos que é a prática dos comunistas, se eles forem verdadeiramente comunistas. Ora eu, que era mesmo católico, fiquei no meu canto, na maior».

Dentro do PCP Ilídio Ferreira foi sempre um individuo igual a si próprio. «Sou como sou, sinto-me bem no partido, o partido sempre se sentiu bem com a minha formação. É evidente que de vez em quando cometo erros, eu próprio reconheço, mas nunca tive problemas por isso». Considera a sua militância no PCP uma grande experiência de vida. A sua mulher defende que ele deveria escrever as suas memórias, mas «Eu não escrevo porque sou um bocado avesso a essas coisas. As memórias ficam se fizermos alguma coisa de bem as populações. O resto são letras em papel que qualquer incêndio apaga».

A vida autárquica

Entrou para a vida autárquica como eleito na Junta de Freguesia de Odivelas no ano em saiu Sebastião Monteiro Freire e entrou António Eduardo dos Santos Gonçalves na altura do PCP. «Foi o primeiro mandato do Gonçalves e em que a minha mulher fazia parte do executivo. No mandato seguinte entrei para o executivo, no ano em que nasceu a freguesia da Pontinha». No mandato seguinte nasceriam as freguesias da Ramada, Famões e Olival Basto. «O partido teve sempre uma grande preocupação de criar as coisas e depois não as deixar cair» e por isso Ilídio Ferreira foi indicado para ir para a Ramado onde foi da Comissão Instaladora. A nova freguesia constituiu-se com território da freguesia de Odivelas mas também da freguesia de Loures.

Foi o cabeça de lista da CDU nas primeiras eleições para a Ramada, quando os números apontavam uma derrota por uma diferença muito significativa. «Nós eramos cinco pessoas, o partido nem sequer lá tinha organização porque tem por freguesias e a Ramada ainda era de Odivelas. O partido, vá lá, fez um cartaz, que não era nada vulgar na altura. No apuramento dos resultados eu estava sempre a perder e o PS sempre a ganhar até à última mesa, na Ramada de Baixo, a Ramada mais operária, mais trabalhadora, e acabei por ganhar por 33 votos».

A partir desta vitória Ilídio Ferreira começou a trabalhar «E foi sempre a subir» e lá esteve durante 16 anos até que decidiu sair quando saiu a Lei dos 12 anos. «Eu ainda tinha direito a mais 12 anos porque a Lei não era retroativa. É pá, nem pensar nisso». Confessou-nos que a verdade da sua saída foi para preparar a sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Odivelas nas eleições de 2005, onde foi eleito vereador e reeleito em 2009.

Em 29 de novembro de 2012, em reunião pública do executivo municipal Ilídio Ferreira renunciou ao seu mandato. Na carta em que formalizou essa renúncia escreveu: «Partilhámos muitas vivências. Concordámos e discordámos muitas vezes. Tivemos lutas comuns e dividiram-nos opções ideológicas que em muitos momentos foram decididamente acesas.

Nas batalhas que travámos perdemos e ganhámos na luta. Nunca fiz essa contabilidade mas sempre senti no pulsar dos mais desfavorecidos que não se pode desistir da luta. Quem não luta perde sempre. Tudo o que fiz, e em consciência, foi de total abnegação como não podia deixar de ser. Sempre e ao lado dos meus camaradas fiz sempre o que sabia e podia. Talvez e nem sempre da melhor forma. Mas para quem me conhece sempre com o coração ao pé da boca.

Reconheço ser uma pessoa impulsiva. Mas sempre de alma e coração abertos, respeitador das opções de cada um, firme e convicto do que penso. Olhando para trás posso dizer que dei a este município, como era meu dever, tudo o que de melhor pude dar». Todos os vereadores reconheceram o valor de Ilídio Ferreira como autarca e dirigiram-lhe palavras elogiosas que achamos importante aqui relembrar.

Paulo Aido: «Ficamos mais pobres, mas com a memória mais rica».

Carlos Bodião: «Outros que não deram tanto ao concelho são chamados de beneméritos».

Mário Máximo: «Camarada Ilídio, um abraço e até sempre».

Hugo Martins: «Homem de família, pai e avô à antiga».

Fernanda Franchi: «Foi sempre um prazer estar com ele na barricada da luta pelo concelho».

Susana Amador: «Quando se diz tanto mal dos políticos, Ilídio Ferreira é uma bandeira». Nessa mesma reunião anunciou que iria propor o seu nome para a Medalha de Honra do concelho, grau ouro.

«Pai de quatro filhos, avô de 10 netos»

Casou duas vezes. Com a primeira mulher tive quatro filhos. A segunda não teve nenhum mas foi uma mãe extremosa para os quatro filhos de Ilídio Ferreira que acabou por criar.

Conheceu a primeira mulher no primeiro dia em que entrou para o 1º ciclo. «Estudávamos num sótão, de um engenheiro de aeronáutica civil que nos dava explicações. Ficava nas Escadinhas dos Terramotos e eu ia e vinha a pé, todos as noites, da Calçada do Combro para lá» Parte da viagem acabava por ser feita em conjunto e quando Ilídio Ferreira tinha 25 anos casaram. A mulher de Ilídio Ferreira também foi trabalhar para a Sacor. Este casamento durou 12 anos e depois deu-se a separação. «Ainda não havia a lei do divórcio e os filhos ficaram com a mãe, como era normal na altura. Todos os dias ia lá de manhã e à noite e às tantas resolvi ensinar aos mais novos (oito e nove anos) o caminho do Lumiar, onde viviam, para Odivelas onde tinha a minha casa».

Um dia esses dois filhos apareceram-lhe em casa «De mala aviada» dizendo que queriam viver com o pai. «Peguei no telefone e liguei à mãe deles que disse que era a vontade deles e que não havia problema algum». Na altura já Ilídio Ferreira estava com a sua atual mulher, há um ano, que recebeu bem as crianças. A seguir também a filha, de 13 anos, resolveu vir viver com o pai. «Mais tarde foi a minha ex-mulher que me disse que o filho mais velho, sem os irmãos não era o mesmo e achámos bem que ele viesse também para a minha casa». Depois de cinco anos de separação acabou por acontecer o divórcio oficial. «A minha segunda mulher foi e é uma grande mulher e uma grande mãe para os meus filhos e agora uma grande avó para os meus netos».

O filho Pedro é jornalista na SIC. «Diz a professora que é o único aluno seu que foi sempre aquilo que quis ser». Outro filho é engenheiro na EDP. A filha está no Hospital de Angra do Heroísmo como técnica de Anatomia Patológica. Desta filha tem dois netos e uma neta que já está formada e a trabalhar. O quarto filho está na Loja do Cidadão em Odivelas e é coordenador de turno no balcão dos SMAS. «Os meus filhos são sérios e trabalhadores e foram a maior riqueza que tive».

Apesar da sua atividade autárquica Ilídio Ferreira garante que é um avô muito presente. «Nunca perco uma oportunidade de estar com eles. Tenho quatro netas na Secundária de Odivelas que vêm uma vez por semana almoçar a minha casa. Outros dois netos moram no mesmo prédio e tenho outro que me revejo nele. É o mais novo, tem cinco anos e é o número 10. Parece que estou me estou a ver quando tinha a idade dele. Chama-se Bernardo Ilídio, É um tangas dos diabos, a avó sofre muito com ele».

A mulher, Margarida Ferreira, «Foi uma ativista muito importante do partido, esteve no executivo da Junta de Freguesia de Odivelas, foi ela que procedeu ao levantamento do cemitério de Odivelas e à sua transferência para as Patameiras. Foi presidente da Assembleia de Freguesia. Desde que me viu envolver-me, da forma que me envolvo, dedicou-se à família e o partido concordou». Ilídio Ferreira nunca pôs condições ao PCP para qualquer tarefa mas agora, quando foi indicado para cabeça de lista da CDU à União das Freguesias de Ramada/Caneças disse que só aceitaria de a mulher concordasse. «Claro que ela como militante analisou a situação e concordou e está comigo até às últimas consequências».

Ilídio Ferreira foi criado com os avós até aos dez anos e depois com o pai. «Foram as pessoas mais importantes da minha vida» e acredita que os seus filhos e os seus netos um dia também dirão isso de si.