Na 6ª Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Odivelas realizada a 26 de março a CDU apresentou uma declaração política sobre o 40º aniversário da Revolução dos Cravos, que transcrevemos na íntegra.

 Numa obra editada em Novembro de 2000 pela Comissão Instaladora do Município de Odivelas, “O concelho de Odivelas, Memórias de um Povo”, de autoria de Máxima Vaz afirma-se:

“ A localização de Odivelas determinou-lhe a História. A criação do novo Concelho, com sede nesta cidade, despertou o interesse pelo conhecimento do seu passado e fez-nos sentir a necessidade de o procurar. Um povo revê-se na sua história, na sua memória, nos usos e costumes das suas gentes”

No tempo presente em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril, os vereadores da CDU destacam a importância de elas incorporarem o estímulo ao conhecimento e à valorização do contributo que o Povo de Odivelas deu à resistência ao fascismo, às duras condições de vida e de trabalho a que estiveram sujeitos, o seu papel na Revolução de Abril e na ampla participação popular que teve lugar.

Neste território que hoje integra o Concelho de Odivelas pulsaram muitas histórias de trabalhadores, agricultores, estudantes, empregados – homens e mulheres – que souberam dizer não e lutaram contra o atraso económico e social e a feroz exploração a que estavam sujeitos.

A verdade é que foram deixadas marcas deste período negro da história do nosso País neste território que hoje é o concelho de Odivelas: as duras condições de vida das classes laboriosas e populares que aqui viviam e dos que a partir dos anos 60 nele se fixaram – trabalhadores que vieram das suas terras na busca de trabalho e melhores condições de vida. Cresceram os bairros de construção precária, onde tudo faltava (água canalizada, saneamento básico, estradas, transportes, entre tantas outras carências). Os núcleos habitacionais foram crescendo ao sabor dos interesses de alguns sem que tenham sido construídos espaços verdes ou equipamentos sociais.

E também por aqui passou a resistência e oposição ao fascismo, de que recordamos:

Em 1969 foi aberta uma sede da CDE nas instalações da atual Casa da Memória no âmbito da campanha eleitoral para “eleições” à Assembleia nacional fascista;

Em 1971 foi aberta uma delegação da Cooperativa DEVIR, no Bairro Lima Pimentel, onde se realizavam atividades culturais (lançamento de livros, sessões de canto e de resistência e por onde passaram além de outros Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes, Tossan, José Jorge Letria.

Também neste espaço foi assinalado o 8 de Março – Dia Internacional da Mulher – com uma sessão pública onde interveio Sérgio Ribeiro. Esta delegação foi encerrada pela PIDE em simultâneo com a sua sede situada na Avenida Duque de Loulé em Lisboa.

Muitos antifascistas foram acolhidos na sua atividade clandestina por habitantes deste Concelho. E igualmente funcionaram casas clandestinas;

A partir do núcleo do MDP/CDE desenvolveu-se um importante atividade em Odivelas com a realização de sessões sobre a guerra colonial, entre outros temas, a partir de uma garagem junto à Avelar Brotero registaram-se presenças a estas atividades e seus ativistas.

Entre as prisões políticas destacamos a de João Viegas perseguido pela PIDE aos gritos “agarra que é ladrão” nas ruas de Odivelas (22 de Junho de 1971). Na sequência desta prisão, que por muitos populares foi associada ao assalto a uma dependência de um banco em Lisboa (que se tinha registado no dia anterior) e para repor a sua verdadeira razão, foram feitas nos dias seguintes várias pichagens, com nitrato de prata, em prédios da freguesia e na Rua Serpa Pinto onde João Viegas morava, com frases como: “Viegas não é ladrão, abaixo a PIDE.”, “Liberdade para Viegas” etc.;

Dinamizaram-se ações de alfabetização segundo o método Paulo Freire em casa de João do Cabo (Serra da Luz/Pontinha) que durou pouco tempo por pressão das autoridades junto dos alfabetizandos;

Participação nas comemorações do 1º de Maio (proibidas) e realização de recolhas de fundos para a Associação de Socorro aos Presos Políticos cuja responsabilidade era assumida por Rosa Passão – militante do PCP desde 1960, e que a partir de 1965 veio viver para a zona de Odivelas, altura em que marido foi libertado da prisão (Manuel Gomes);

Participação na campanha pró-recenseamento (anos 70) incentivando a população a recensear-se e no III Congresso de Oposição Democrática realizado em Aveiro em 1973;

Estes são meros exemplos de resistência no plano político, social e cultural em que intervieram militantes comunistas, mas igualmente tantos outros democratas resistentes antifascistas. São histórias, das muitas histórias que estão por contar e que precisam de ser contadas e valorizados os seus protagonistas.

Temos a obrigação de recolher estas histórias de vida, porque elas dão corpo à nossa identidade enquanto País e enquanto Concelho. Porque é necessário não esquecer o que significou 48 anos de fascismo em Portugal e o contributo do longo processo de resistência para que tivesse sido possível a Revolução de Abril.

O levantamento militar dirigido pelos heroicos capitães do MFA (Movimento das Forças Armadas) que derrubou o regime fascista e abriu a estrada da liberdade e da democracia, não foi um acontecimento isolado. A iniciativa militar culminou décadas de resistência e de luta contra o fascismo, e foi imediatamente apoiada por um amplo levantamento popular em todo o País.

Como curiosidade referir o relato que nos foi feito de que no dia 25 de Abril de 1974, Manuel Sacavém (um resistente antifascista já falecido, que também passou pelas prisões fascistas, trabalhador da empresa de camionagem “Arboricultora”) dinamizou um Plenário com a população de Caneças para falar do que se estava a passar.

A verdade é que após a Revolução, o Povo de Odivelas – de Caneças, da Povoa de Stº Adrião, do Olival Basto, Odivelas, Pontinha – tomaram parte ativa nas profundas transformações económicas e sociais que tiveram lugar no País, organizaram-se em partidos políticos, nos sindicatos, deram nova vida às coletividades centenárias e impulsionaram o movimento associativo e popular.

Com a participação das populações que tomaram nas suas mãos as suas vidas foram construídos parques infantis, melhoraram-se ruas e bairros, formaram-se comissões de melhoramentos de bairros, comissões de moradores, comissões administrativas das freguesias. Abriram-se caminhos e estradas, exigiram-se melhores transportes e foi a luta das populações que obrigou a CARRIS a estender as suas carreiras a Odivelas. Foi dado corpo a direitos fundamentais como o direito de todos à segurança social, à saúde, à educação e à cultura, e o direito à água como bem público.

São seguramente muitas histórias de vida, de experiências extraordinárias de participação e de transformação social que envolveu a população do Concelho de Odivelas e que ainda estão por contar. Histórias por contar dos que deram corpo ao início do poder local democrático, dos que contribuíram param a ampla participação da população no plano cultural e desportivo a partir da ação dos dirigentes das coletividades de cultura e recreio.

Elas são parte da história local, um elemento de identidade para quem lá nasceu, ou nasce e para quem aqui vive. Como faz parte da história deste concelho a presença do Regimento de engenharia da Pontinha, onde foi centralizada a direção operacional do 25 de Abril, um Regimento com uma profunda ligação às populações que nele sempre reconheceram o apoio e acolhimento, designadamente em alturas de grandes catástrofes naturais como foram as cheias de 1967 e 1983, uma ligação que tem de continuar no futuro, a par da valorização do Núcleo Museológico do Posto de Comando do MFA.

E no tempo presente, marcado por um profundo retrocesso económico e social, e por um caminho de destruição de importantes conquistas de Abril plasmadas na Constituição da República Portuguesa que, igualmente marcam de forma negativa a vida de quem vive, trabalha e estuda no Concelho de Odivelas destacamos e saudamos os que continuam a resistir e a dizer não. Saudamos as jovens alunas do Instituto de Odivelas que participaram no Desfile a 15 de Março em conjunto com milhares de militares e suas famílias que manifestaram, a sua indignação contra os cortes nos seus vencimentos e em que estas fizeram ouvir a sua voz contra o encerramento do Instituto de Odivelas. De facto, a juventude tem de lutar por aquilo em que acredita.

Estar na rua mostrando indignação e protesto continua a ser no atual quadro uma decisiva arma de intervenção social e politica. E nesse sentido

saudamos a juventude do Concelho de Odivelas, na passagem do dia Nacional de Juventude que se assinala a 28 de Março com uma Manifestação no Largo do Carmo subordinada à exigência “Queremos Abril e Maio de novo”

Porque como afirmou o poeta José Ary dos Santos:

Agora que já floriu

A esperança na nossa terra

As portas que Abril abriu nunca mais ninguém as cerrará.

Comemorar os 40 anos da Revolução de Abril é para nós projetar os seus valores no futuro de Portugal.