É com muito orgulho que escrevo esta homenagem ao Mestre Agostinho da Silva. Tinha apenas 10 anos quando tive o privilégio de conviver e aprender com este Grande Senhor através do Clube de História da Escola Preparatória Fernão Lopes, sob a coordenação da Professora Margarida Santos Carvalho, a quem devo, aliás, muita da minha própria formação e paixão pela História.

Mas, voltando ao Professor Agostinho da Silva: no final do mês de Fevereiro de 1989, visitou a nossa Escola Preparatória para um colóquio sobre Direitos Humanos, o qual rapidamente se transformou num debate interminável onde nós, ainda crianças, ficámos cativadas pelo discurso, histórias e viagens daquele homem, pequeno na figura, mas gigante do intelecto. Após este evento ele ofereceu-se para ajudar pois, como disse: “Eu moro ali mesmo ao lado” .

agostinho silva

Eu, André, Eduarda, Ana, Joana,
Telmo, Mestre Agostinho da Silva
e Marta na Escola Preparatória
Fernão Lopes, em 1989
 

Passados uns dias apareceu na escola carregado de livros para nos oferecer e, rapidamente, na prateleira da pequena biblioteca passou a existir um nome: “Os Livros do Professor Agostinho da Silva“. Sei que ficou muito sensibilizado com aquela pequena homenagem e sempre que nos visitava, e eram muitas vezes, trazia sempre consigo mais livros escolhidos para quem tinha de 10 a 12 anos.

Outras vezes íamos nós a casa dele, na Rua Abarracamento de Peniche, conversar, aprender ou sonhar com aquele nosso novo Mestre, grande contador de histórias, as quais ainda hoje estão gravadas na minha memória e, claro, de lá trazíamos mais livros. Hoje, passados quase 20 anos sobre esse primeiro encontro com o Mestre, já sou adulto, Artista-Plástico, além de formado em Geografia e, às vezes, penso nos dois anos passados naquela Escola com tal pedagogo e com o Clube de História.

Partilhei momentos deveras importantes para a minha formação, pois conversarmos com aquele “Monstro Sagrado” da cultura e do livre pensamento transformou-me e moldou-me. Hoje não tenho qualquer contacto com aquele grupo de “crianças“, as “Crianças do Mestre“, como carinhosamente a Professora Margarida nos alcunhou, pois crescemos, separámo-nos, fomos viver para locais diferentes, formámo-nos em áreas diversas. Infelizmente, alguns já partiram, mas tenho a certeza de que ficou em todos nós algo deste Mestre e do seu pensamento.

Um dia a Escola Preparatória acabou e eu passei para o secundário. Contudo, como morava no Bairro Alto e costumava ir muito frequentemente ao Jardim Príncipe Real, ali encontrava anonimamente o Mestre, sempre disposto a falar com todos os seres humanos. Talvez tenha sido pelos seus ensinamentos, por acaso, ou por termos um pouco de filósofos dentro de nós, as minhas cadeiras preferidas sempre foram a Filosofia e a História, as mesmas que me levaram a conhecer o Professor Agostinho da Silva naquele Clube de História.

agostinho silva_2Em 2002, fiz uma exposição de pintura comemorativa dos meus “10 anos de Carreira” como pintor, a qual se realizou na Sociedade da Língua Portuguesa, sob a epígrafe de “Evocando Vultos da Cultura Portuguesa“. Como não poderia deixar de ser, lá estava um retrato do Professor Agostinho da Silva que, curiosamente, foi o primeiro a ser vendido para a coleção de outro grande amigo e escritor, Joaquim Evónio.

Quando estava a pensar sobre o que escrever, visitei mais uma vez o “site” da Associação Agostinho da Silva e lá encontrei o seguinte texto, que transcrevo:

«Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem».

Agostinho da Silva, in “Cartas a um jovem filósofo”