Tem 46 anos, nasceu no Alentejo em 1967 no dia que anos depois ficaria na memória de todos os portugueses como o dia da Revolução dos Cravos que libertou Portugal de 48 anos de fascismo. Tinha sete anos quando veio para Odivelas onde completou o então ensino primário, preparatório e secundário. Na Faculdade de Direito de Lisboa tirou a sua licenciatura. Foi funcionária do Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), assessora jurídica no Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República e mais tarde deputada. Foi eleita na Assembleia de Freguesia de Odivelas e a primeira presidente da Assembleia Municipal de Odivelas no mandato de 2001 a 2005, ano em que deixou o lugar de deputada para assumir a presidência da Câmara Municipal de Odivelas. Em 2013 é reeleita para um terceiro mandato com maioria absoluta. Chama-se Susana Amador e é a escolhida para a homenagem desta semana no Quadro de Honra do Odivelas Notícias.

 

 

Do Alentejo a Odivelas

 

Viveu até aos sete anos no Alentejo. Nos primeiros seis meses em Lagoa, Portalegre, local onde nasceu. Depois os seus pais mudaram-se para Niza e ai estiveram até Susana Amador ter seis anos, altura em que rumaram a Lisboa, com a Maria a sua irmã mais velha, de 13 anos, na procura de uma vida que o Alentejo de então não lhes poderia dar. O pai tinha um emprego na panificação e a mãe um atelier de costura. «Tenho muitas memórias da minha infância em Niza. Tive uma infância muito bonita, sempre perto da minha mãe, junto dos tecidos. Lembro-me que tínhamos uma gata que estava sempre a ter gatinhos, do contacto com a fofura dos gatinhos e do grande terraço da casa onde brincava com muitos amigos. A minha mãe fazia muitos vestidos de noiva e tenho aquela ideia romântica das noivas, dos tecidos, dos veludos. É uma memória cheia de odores e de tacto. Talvez venha dessa altura o meu gosto pelo design, pela estética, pela componente gráfica das coisas. Olho sempre para os detalhes e os pormenores».

Ficou com os tios em Castelo de Vide durante um ano e ai entrou para a escola primária e fez a 1ª classe. «A minha tia era professora primária e não tinha filhos. A memória de Castelo de Vide é de uma Vila muito bonita, de jardins e de baloiços mas foi um ano muito difícil, foi uma separação dolorosa, na altura não havia as formas de contacto que hoje temos, como os telemóveis e a Internet. Não percebia bem porque é que a minha irmã tinha vindo com os meus pais e tinha de ficar com os tios. Claro que hoje percebo. Apesar de os meus tios de terem tratado com todo o carinho não era a mesma coisa».  

Entretanto acontece a Revolução dos Cravos que Susana Amador passa longe dos pais. «Em Castelo de Vide sentia-se uma ansiedade no ar. Lembro-me que a minha festa de aniversário foi muito triste, os meninos não foram à escola e não pude convidar os colegas. Foi o bolinho com as velas dos sete anos e só com os meus tios e a minha avó, sem saber dos meus pais e a perceber que os meus tios estavam preocupados com o que se passava em Lisboa. A ideia que se passava para a província era de que havia conflitos, mortos e feridos. Só serenei quando consegui, ao final do dia, falar com os meus pais. Percebi que eles estavam com uma alegria imensa e que portanto tinha sido uma coisa muito boa o que aconteceu. Lembro-me de ter fixado a palavra liberdade. O meu pai dizia: somos livres, agora somos livres».

Entretanto os pais conseguiram emprego e casa em Odivelas, na Rua José Malhoa e já tinham condições para que a pequena Susana viesse viver com eles. Assim, aos sete anos, no Verão de 1974, veio para Odivelas e entrou para a Escola Primária D. Dinis, onde completou o ensino primário, «Com a professora Eduarda de quem guardo muito boas recordações». O ensino preparatório foi feito na Avelar Brotero «Com professores de exceção que recordo com carinho. Recordo o John e a Susy, em inglês que se tornou para mim quase uma primeira língua. Achei que ia enveredar por um futuro onde as línguas estrangeiras haviam de estar porque tive dois professores extraordinários, onde o estimulo e o ambiente de sala de aula era muito bom. O= mesmo se passava com os professores de português, de ciências, ou seja, fui muito bem preparada. Tive professores na Avelar Brotero que nos ensinavam a pensar». Uma lembrança forte desta escola «Foi um desafio para uma peça de teatro sobre o 25 de Abril. Eu tinha dez anos e fiz o texto da peça e era uma das personagens principais, era uma das mulheres de um prisioneiro e a peça incidia muito sobre a libertação dois presos e o encontro com as suas mulheres. Lembro-me que ensaiámos no meu prédio, para grande susto dos meus pais, nu último andar, ali já em cima do telhado. Foi muito giro porque foi o meu contacto com a escrita e percebi que gostava muito de escrever e o despertar para uma consciência já muito crítica e política», que existia também no ambiente familiar de Susana Amador. «Os meus pais não eram militantes mas sempre foram pessoas de esquerda, sempre foram do Partido Socialista, bem como toda a família da minha mãe».

Depois da Avelar Brotero entra para a Escola Secundária de Odivelas onde fica até ao 12º ano. «Também com excelentes memórias e referências com pessoas de grande referência na cultura e por isso eu sou uma adepta fervorosa da escola pública, porque eu sou filha da escola pública de muita qualidade aqui no concelho de Odivelas. Acho que o facto de ter entrado na faculdade com uma média de 17,2 e de ter tido uma boa prestação nos exames nacionais se deveu muito à preparação que eu tinha. As notas que tinha corresponderam às do exame de aferição e entrei em Direito com 17,3 uma das melhores médias em 1985».

 

A escolha do Caminho

 

A partir do 9º ano Susana Amador começou a perceber o que queria em termos futuros. Em criança queria ser médica pediatra e bailarina e achava que conseguia conciliar as duas coisas. Mas no 9º ano os exames vocacionais mostraram a sua tendência natural para as Letras e para as Humanidades e foi essa a área que foi escolhida com a convicção de que iria para Direito ou História. «Também pensei em educadora de infância porque o meu padrinho, professor universitário e a minha madrinha, educadora de infância de diretora de uma IPSS foram sempre as minhas referências». No 12º ano concorre para Direito e para a Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich e entra para os dois sítios, mas acaba por escolher a Faculdade de Direito de Lisboa. A mãe de Susana Amador, aos 50 anos também resolve ir estudar e embora ande ao mesmo tempo com a filha na Avelar Brotero, uma estava de dia outra de noite. No 12º ano Susana Amador também está no ensino noturno da Secundária de Odivelas e faz parte da mesma turma da sua mãe. «Ela com 50 anos entrou para sociologia no ISCTE e eu com 18 entro para direito».

No curso de Direito, a partir do 3º ano Susana Amador decide estudar de noite porque tinha ginástica no Sporting e estava na Alliance Francaise onde fez o Diploma Superior de Literatura e Língua Francesa que lhe dava a possibilidade de dar aulas por ser equiparado ao Ministério de Educação, para além de dar explicações para ter alguma autonomia financeira. «Fez-me muito bem porque amadureci e percebi que a vida era muito complicada para muitas pessoas que adiaram os seus sonhos porque tiveram de começar a trabalhar muito cedo e que retomaram a universidade quando já tinham a sua autonomia. Foram experiências de vida muito importantes para mim e me fizeram perceber que o mundo não era cor-de-rosa. Tenho que reconhecer que apesar das dificuldades que os meus pais passaram nunca nada me faltou. A minha mãe sempre fez muitos sacrifícios para que eu tivesse tudo o que precisava e na faculdade isso foi muito visível. Era uma faculdade de elite e eu era mesmo a menina de Odivelas. Havia muita gente de Cascais e do Estoril e lembro-me que naquela altura já me revoltava quando me diziam que Odivelas era uma terra de índios e eu contrapunha que era uma terra pacata e onde se vivia bem. Existia nas pessoas um preconceito sobre os subúrbios e sobre Odivelas e aquilo mexeu muito comigo, Havia pessoas que chegavam às aulas de Porsche e eu ia no autocarro 36. Senti o que eram as desigualdades e as assimetrias. Se eu já tinha despertado para uma consciência política na faculdade de Direito ficou tudo muito mais claro».   

Susana Amadora considera que teve sorte após a conclusão do curso. «O meu patrono era uma pessoa extraordinária, o Dr. Manteigas Martins, e assegurou-me um estágio muito bom onde fiz muitas oficiosas, atendia clientes, onde me foram pagos alguns trabalhos, o que não era normal nos estagiários, Fiz um estágio muito bom a nível da advocacia e sinto que fiquei bem preparada sobretudo para o Direito da Família». Inscreveu-se na Ordem dos Advogados e chegou a ter escritório aberto.

 

A experiência no ACNUR

 

Em 1990 e concorre para a banca e para o ACNUR, num concurso aberto em Portugal para consultor jurídico e entra para os dois sítios. Optou pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados «Porque tinha muito a ver comigo e com a sensibilidade que eu já tinha para a área dos direitos fundamentais porque percebi cedo que na advocacia tinha dificuldade em cobrar honorários».  Ali trabalhou durante três anos e considera ter sido «Uma experiência riquíssima». Embora o local de trabalho fosse nas Picoas, em Lisboa, esteve em vários pontos do mundo ao serviço do ACNUR. «Eu fazia as entrevistas dos requerentes de asilo, os recursos para o tribunal, ia buscá-los ao aeroporto, aos portos marítimos. Não tinha horário, o serviço podia ser ao sábado, ao domingo, às duas da manhã e tinha de estar disponível, ir para Leixões, para Faro, para o aeroporto de Lisboa, enfim tudo o que dizia respeito a candidatos a asilo em Portugal era eu que fazia, desde o pedido, às reclamações e ao recurso contencioso. Não havia mais nenhum jurista para partilhar era mesmo muito trabalho, por vezes doze e catorze horas, mas era bem remunerado do ponto de vista do que era a média nacional». Mais tarde também deu formação em vários países do mundo ao serviço do ACNUR e em Portugal a jornalistas e elementos do Serviço de Estrageiros e Fronteiras sobre a problemática dos refugiados.

Alguns pedidos de asilo marcaram Susana Amador, sobretudo de mulheres. «Tive pedidos de mulheres do Zaire, do Gana e da Libéria que me marcaram, que fizeram travessias marítimas onde perderam os filhos, que tiveram de lançar os seus bebés pela borda fora porque morreram na travessia, mulheres vítimas de violação e de torturas e de maus tratos. Foram entrevistas muito dolorosas, para elas e para mim». Com o fim da delegação do ACNUR em Portugal e com a criação do Conselho Português para os Refugiados Susana Amador passa para esta Organização Não Governamental onde fica até 1995.

 

O parlamento

Em 1995, após as eleições que deram a vitória a António Guterres, entrou para assessora jurídica do Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República a convite do líder parlamentar Jorge Lação. «No meu trabalho no ACNUR e no CPR ia muito ao parlamento. Sempre que havia alterações da legislação do direito de asilo era eu que ia à primeira comissão parlamentar apresentar as nossas propostas em relação à lei e provavelmente criei, do ponto de vista dos deputados alguma relação e algum grau de confiança». Esteve nesta função durante dez anos até que em junho de 2005 é eleita deputada pelo círculo de Lisboa do PS, onde apenas esteve alguns meses saindo para ser candidata a presidente da Câmara de Odivelas.

Em 1994 Susana Amador tornou-se militante do Partido Socialista e começa a sua participação política partidária na Assembleia de Freguesia de Odivelas, como líder de bancada, era Vítor Peixoto presidente da Junta de Freguesia.

Em 2001, com as primeiras eleições para os órgãos autárquicos do concelho de Odivelas, é eleita presidente da Assembleia Municipal de Odivelas cargo que exerce até às eleições de 2005 onde é eleita presidente da Câmara Municipal.

 

A presidência da Câmara

Não aqueceu o lugar de deputada na Assembleia da República, cargo que exerceu apenas por seis meses. Jorge Coelho, então coordenador autárquico do PS tinha outro caminho reservado a Susana Amador que veio para Odivelas como candidata à presidência da Câmara de Odivelas com a missão de substituir no cargo o também socialista Manuel Varges, presidente da Comissão Instaladora do Município de Odivelas e primeiro presidente eleito no mandato 2001/2005.

Abandonar a Assembleia da República e a posição confortável de deputada em troca do lugar de presidente de Câmara «Foi das decisões mais difíceis da minha vida. Estava na AR por direito próprio, as pessoas gostavam de mim, os meus colegas gostavam de mim, já gostavam de mim como assessora e quase todos sentiram que se fez justiça. Era um ambiente familiar e seguro, senti-me bem acolhida e senti que era ali que eu pertencia. A decisão foi muito difícil em primeiro lugar porque sempre tinha sido sempre dos órgãos deliberativos. Sou oradora, gosto do discurso político, mas não sou executiva, nunca tinha sido vogal de uma junta ou vereadora. Começar logo como presidente de Câmara preocupava-me, acho que devemos ir passo a passo para chegarmos de forma sustentada. Outra das minhas preocupações era o fato de a câmara estar muito endividada e com sérios problemas financeiros e estruturais».

Susana Amador também sabia que «Do ponto de vista político eu não era bem-vinda cá. Havia uma fação do PS que via com bons olhos a minha vinda mas havia uma grande fação que não me via com bons olhos, desde os presidentes de junta ao presidente de câmara que estava em funções e que desejava continuar e era perfeitamente normal que desejasse continuar. O normal é reconduzir as pessoas o que era anómalo era não reconduzir. Eu senti que estava a ser imposta e sentia-me muito bem como presidente da Assembleia Municipal, a minha ligação com o presidente de câmara tinha sido sempre solidária, embora o fosse alertando para algumas questões financeiras que me estavam a preocupar». As interrogações de Susana Amador foram muitas: «Eu estou num sítio onde sou bem-vinda e vou para um sítio onde não sou bem-vinda? Como é que esta campanha vai correr? Como é que as situações se vão resolver? Como é que eu mesmo que seja eleita vou conseguir fazer uma recuperação? Vou para uma câmara muito endividada, como é que vou pagar juros e encargos? Que investimento é que em faço? Que memória é que as pessoas vão ter de mim?». 

A autarca lembra que foi tudo muito complicado. «A família, os meus pais, a minha irmã e o meu marido achavam na altura que eu devia continuar na Assembleia da República. O meu pai dizia mesmo: toda a gente gosta de ti, depois vão começar a dizer mal de ti, não estás habituada a que as pessoas te critiquem, sempre te viram pela positiva em todos os teus empregos, em  todos os teus cargos, nunca tiveste um cargo de poder como é um cargo executivo, sensível como és tu vais sofrer quando vires o teu nome nos jornais, as pessoas a dizerem mal de ti e não sei se estás preparada para isso».

Para além disso as duas filhas de Susana Amador «Eram ainda muito pequenas, a Helena tinha dois anos e a Matilde com quatro, precisavam muito de mim e no parlamento eu tinha a possibilidade de conciliar horários, ou seja, o desgaste não tinha nada a ver, nem os fins de semana, dava aulas, uma coisa que sempre gostei e vir para Odivelas significava abdicar de muita coisa que gostava».       

Depois de cerca de dois meses a pesar prós e contras Susana Amador acabou por aceitar o desafio e candidatar-se a Odivelas. «Foi ao mais alto nível que me disseram: Suana na assembleia é mais uma e em Odivelas pode fazer a diferença, temos de estar onde somos precisos, tem de fazer isto pelo Partido Socialista e eu achei que tinha de o fazer pelo PS, que devia isso ao meu partido. Na vida temos de muitas vezes esquecermo-nos de nós, daquilo que era o nosso sonho individual, ou da nossa família. De um ponto de vista financeiro saber que iria perder mais de 1.500 euros mensais, para além de ter outro tipo de despesas. Mas, o PS e o interesse coletivo falou mais alto que o interesse individual. Acho que também temos de estar assim na vida».    

Apesar de tudo, Susana Amador afirma que ao longo destes oito anos nunca se questionou sobre esta decisão e nunca se arrependeu de a ter tomado.