Nasceu há 76 anos em Caneças e ainda hoje lá vive. Tem três filhos e quatro netos, está ligada a uma das cincos fontes classificadas de Caneças, foi presidente da centenária colectividade da freguesia e também da autarquia canecense. Sente um grande amor pela sua terra natal mas confessa algum desgosto com as pessoas sentindo-se injustiçada. Chama-se Maria Amélia Figueiredo e é a pessoa escolhida para o Quadro de Honra de dezembro.

 

Henrique Ribeiro

henriqueribeiro@odivelasnoticias.pt

 

A infância e o ensino primário

 

O seu ensino básico foi feito em Caneças. Como faz anos em dezembro a sua entrada no ensino oficial seria quase aos oito anos e por isso os seus pais colocaram-na numa professora que dava aulas particulares. «Foi uma das maiores experiências da minha vida. Foi aqui que aprendi a gostar de aprender». Ali fez a 1ª e a 2ª classe. Por motivo de doença esteve um ano afastada e quando regressou às aulas já foi no ensino oficial, para fazer a 3ª classe. No último do ensino primário teve uma professora nova e uma classe mista «O que era estranho naquela altura mas eramos muito poucos na 4ª classe». Confessa ter gostado muito das suas professoras e ter tido muita sorte na instrução primária.

Concluído o ensino primário foi para Lisboa tirar o Curso Comercial.

A sua infância foi passada na Quinta de Castelo de Vide, propriedade do seu avô e mais tarde do seu pai. Ainda se lembra da fonte em pleno funcionamento e da sua mãe como enchedeira. Na altura não morava na Quinta. Uma das casas funcionava como aquilo que nos dias de hoje se chama de turismo de habitação utilizada por veraneantes, pessoas que alugavam as casas ao ano, como o caso de João Silva que foi o grande impulsionar do teatro na Sociedade Musical de Caneças. Foi autor, ensaiador e fez tudo que era possível fazer nas duas primeiras revistas que então se fizeram.

Uma outra casa da quinta foi casa de férias de Estevão Amarante por altura do seu falecimento. «É uma quinta com história», disse-nos com orgulho no passado e deceção no presente.

 

No mundo do trabalho

 

Após o curso o seu primeiro emprego foi numa fábrica de tintas em Odivelas. Depois esteve no escritório de uma empresa de construção de grandes quadros eléctricos para as barragens, situada na Flamenga. Trabalhou ainda na Câmara Municipal de Loures, antes de ir para a Fábrica Nacional de Fósforos, onde esteve durante muitos anos até ser despedida por encerramento da fábrica. «Aos 55 anos fiquei desempregada porque já tinham destruído a fábrica de Lisboa, no Beato, já tinham perdido a fábrica de aparite em Lisboa e Souselas e depois eliminaram a Lusitânia e a Sociedade Nacional de Fósforos, no Porto e portanto a Sociedade Nacional de Fósforos foi reduzida a um armazém para distribuição de fósforos vindos do estrangeiro».  

 

Na vida autárquica

 

Participou na Assembleia de Freguesia de Caneças, «Como independente, como sempre fui, mas desisti logo porque senti-me como que um pau jogado entre forças políticas e eu não percebia nada de política e o único motivo que me levou a aceitar foi o gostar muito da minha terra. Desde os dez anos que participava em Comissões de Festas, que era o possível de fazer, ao tempo, ainda no Lugar D’Além onde morava. Comecei por participar numa quermesse de venda de rifas e a partir daí sempre colaborei com a Sociedade Musical e mais tarde Sociedade Musical e Desportiva de Caneças. Nessa altura as mulheres não podiam participar em cargos de direção. O que podíamos fazer era vender rifas, por florinhas, fazer os petiscos para os bares mas nem nos bares podíamos servir, por incrível que isto hoje pareça».

Mais tarde Maria Amélia começou a entender as coisas de forma diferente e participou na Assembleia Municipal de Loures. «Quando foram as cheias de 1983, o presidente da junta, Alfredo Paisana, que teve apoio do seu executivo e fui eu e o meu marido que o apoiámos, com o nosso carro, a levar refeições aos desalojados. O senhor começou a entrar numa depressão. Eu era a segunda da lista e fazia parte da Assembleia de Freguesia e quando os médicos o convenceram a afastar-se assumi eu o lugar de presidente da Junta».

Nas eleições seguintes foi a cabeça de lista e foi reeleita. No terceiro mandato não foi reeleita tendo perdido por 22 votos para Lurdes Rebelo, do PS, num ano em que as cabeças de lista da CDU, PS e PSD eram mulheres.

Maria Amélia confessa ter aprendido muito nesta passagem pela vida autárquica. «É bom nós aprendermos, participar-mos, fazer as coisas por gosto e eu gostei muito de trabalhar para a minha terra. Não tenho problemas nenhuns de consciência. Se cometi erros, alguns dos que me apontaram ainda não estão corridos e, ou não eram erros ou não tiveram a capacidade de os corrigir. Lutei muito pela minha terra. Fui muito maltratada por gente da minha terra. Infelizmente mais tarde, por razões familiares, tive de me isolar da participação coletiva e é verdade que quem não aparece esquece e passei a ser esquecida». Para além dos sete anos em que presidiu a autarquia canecense, também esteve 11 anos na Assembleia Municipal de Loures. Da sua participação nesta assembleia, guarda boas recordações pelo método de trabalho que vigorava na força politica por que tinha sido eleita. «Acho que foi uma forma que me deu a experiência também de saber organizar, de saber propor e de saber dirigir. Foi realmente uma aprendizagem espectacular. Fiz parte da junta, fiz parte da colectividade de Caneças, fiz parte do concelho nacional do Movimento Democrático de Mulheres, fiz parte da Federação das Coletividades de Recreio, Cultura e Desporto, como representante da Sociedade Musical e Desportiva de Caneças e fui membro da Mesa da Assembleia Geral da Associação Creche Infantil 25 de Abril, da Associação de Artesão de Loures, depois de Odivelas e mais tarde D. Dinis com as milhentas complicações que tudo isso deu. Fiz parte de todas essas coisas e acho que em cada uma das coisas por onde passei, aprendi mais, e mais, e mais».

Hoje é formadora na Universidade Sénior de Odivelas, da Associação Sénior de Odivelas, onde fez parte da Mesa da Assembleia Geral.

 

Na vida associativa

 

Foi presidente da direcção da Sociedade Musical e Desportiva de Caneças. «Fui convidada para fazer parte de uma equipa que ia entrar na qualidade de presidente do conselho fiscal e no primeiro ano desempenhei esse cargo. Até ai o conselho fiscal na coletividade tinha por norma no fim do ano ver as contas para elaborar o relatório para a assembleia. Nós decidimos que o conselho fiscal tinha outras funções e então, como  fiscalizar os bilhetes dos bailes e do cinema e as actas que eram feitas e assistir às reuniões de direção». Depois desta passagem pelo conselho fiscal esteve durante três anos como presidente da direção. «Passei o centenário da coletividade, foi um ano espetacular de trabalho». Durante os cinco anos que esteve na SMDC teve sempre a responsabilidade da banda. «Aquilo estava completamente de banda. Não havia instrumentos, não havia fardamentos, não havia nada. Alguns instrumentos estavam perdidos em casa de músicos que nem sequer eram de cá. Consegui reorganizar aquilo, criar um Termo de Responsabilidade  para cada instrumento, sabia-se tudo, de quem era o instrumento e quem o tinha. Acartei quilos de instrumentos velhos para Lisboa para serem reparados. Ainda se iniciou a orquestra infantil com cedência de instrumentos de aprendizagem que vieram da Secretaria de Estado da Cultura». No último ano que esteve na coletividade desempenhou as funções de tesoureira.

Desiludida, Maria Amélia revela que «Neste momento não tenho a mínima vontade de voltar a participar na minha terra em coisas que me magoaram. Estou decepcionada com a autarquia do município, estou dececionada com coisas que aconteceram e com pessoas da minha terra que me ignoraram, que se serviram de mim e depois me ignoraram».

Recentemente realizou-se na Casa da Cultura de Caneças uma exposição de trabalhos de alunos de pintura de Maria Amélia Figueiredo na Universidade Sénior de Odivelas. Maria Amélia só participou «Por respeito aos meus formandos e aos meus colegas, porque por mim, na minha terra, eu nunca iria participar em coisa nenhuma. Nunca mais».     

 

A Fonte de Castelo de Vide

 

Maria Amélia Figueiredo é a proprietária da Fonte de Castelo de Vide, uma das cinco fontes classificadas de Caneças, propriedade que lhe tem causado inúmeros problemas e que neste momento está completamente destruída. «O município de Odivelas tem sido para mim um absurdo, um desastre, uma mentira constante. Eu não posso mais aceitar a forma como tenho sido tratada pelo município de Odivelas. Quer em relação à quinta, com a sugestão de um protocolo que estava previsto e vindo ainda de Loures, para turismo. Durante anos e anos foram reuniões, encontros, visitas e nada. Nem sequer uma carta recebi a dizer não conte com o protocolo que ele não é realizável politicamente. Chegou a ser dito que dependia, depois daquilo que politicamente fosse decidido, de encontrar uma forma jurídica para estabelecer o protocolo».

Com a revolta na alma Maria Amélia contou-nos ainda outra situação. «Tenho um terreno cedido há 12 anos, para alargar uma rua, que só a semana passada é que soube que ainda não está disponível para eu ir à Conservatória e às Finanças dizer que terreno já não tem o tamanho que está na caderneta inicial, porque eu tenho lá uma procuração minha e hoje, como sou viúva, tem de ser minha e dos meus filhos. Mas eu dei o terreno há doze anos e o meu marido morreu há oito. Em quatro anos com a minha procuração não tiveram tempo para tratar do assunto. Desde então para cá não tiveram uma carta para me escrever a dizer para levar a nova procuração».

A fonte foi classificada como Imóvel de Interesse Municipal «Quando já estava meia derrocada, nem seguro posso ter daquilo, já caiu o telhado e a parte da frente, há uma parede que pode derrocar a qualquer momento para a rua. A derrocada do telhado deu-se a 01 de outubro. Comuniquei à Proteção Civil Municipal e vieram cá técnicos que consideraram haver perigo iminente mas só estavam preocupados com o painel da fonte. Toda a gente falava era no painel. Depois veio cá o novo vereador da Proteção Civil. Querem o painel para colocar na Fonte das Piçarras, que foi adquirida perla câmara, para funcionar o Centro Interpretativo da História das Águas de Caneças, só que a parede que é para deitar abaixo não deitam porque é propriedade privada. Se cair para a tua como é? Eu não posso mexer ali, nem uma árvore posso cortar porque a propriedade é Imóvel de Interesse Municipal, mas já tenho ser eu a deitar a parede abaixo porque é propriedade privada. Acho insto muito engraçado». 

Apesar de ter lutado muito com o seu pai para não vender a Quinta, Maria Amélia está hoje arrependida de não ter aceite uma proposta de venda que lhe foi feita há uns anos por alguém que queria ali construir um condomínio de luxo. «Se pudesse voltar atrás não hesitava. Já não morava aqui nem nunca mais voltava à minha terra».

Maria Amélia está desgostosa com algumas pessoas da sua terra mas, sobretudo, «Com a Câmara Municipal de Odivelas pelo mau trato que me têm dado em relação a esta propriedade».