1. Numa das biografias de Winston Churchill conta-se que, durante um jantar com diplomatas, em Londres, a certa altura um dos camareiros veio ter com o 1º Ministro britânico e segredou-lhe que um dos embaixadores, que nomeou, se tinha apropriado de uma colher de prata.

Perguntava-lhe o que havia de fazer pois, no fim, se faltasse alguma peça, a responsabilidade seria do pessoal.

Churchill respondeu-lhe:

Não te preocupes que eu vou já tratar do assunto.

Então, ele próprio tirou, discretamente, uma colher idêntica da mesa, levantou-se calmamente, foi ter com o coleccionador de recordações e disse-lhe ao ouvido:

Sr. embaixador, os camareiros repararam que, tanto V. Exa como eu, metemos ao bolso, inadvertidamente, uma colher de prata. Penso que achará consensual que, perante estes factos, reparemos imediatamente o lapso restituindo à mesa os talheres.

E, acto contínuo, colocou em cima da mesa a “sua” colher, no que foi imitado pelo aturdido diplomata.

O consenso existe desde que existe a humanidade, desde que homens e mulheres, relacionando-se entre si, sentem necessidade de promover acordos para as mais variadas circunstancias da vida.

Quase que me atreveria a dizer que a história do mundo é a de um conjunto infindável de consensos.

Consensos na família, na vida económica e claro, na política.

Umas vezes eles são rápidos e fulminantes, como no exemplo desta anedota sobre Churchill, em que o sucesso e o consenso resultam de uma mente brilhante e de raciocínio rápido.

Outras vezes os consensos levam tempo, provocam desgaste físico e material. É o que acontece com as guerras em que, no fim, ou é estipulada uma paz, com vencedores e vencidos, ainda assim, um consenso, ou o cansaço, de parte a parte, provoca um match nulo, também aqui, um consenso.

2. Depois existem os falsos consensos.

Tal como na mineralogia, nem tudo o que luz é ouro. Mas, para as primeiras impressões, ou para os mais ignorantes, ou incautos, ou medrosos, passa por ser metal de lei.

A Rússia, ou direi, a nova URSS? decidiu acrescentar mais um território ao seu império? Consenso. Os EUA, a UE e a Ucrânia vociferam? Que importa? A Rússia ocupou o terreno com tropas, os outros responderam com palavras, mas não consta que alguma vez na história as palavras tivessem parado exércitos. Consenso pois.

A Crimeia é russa e Putin até pode brincar com o Ocidente em relação a outras partes da Ucrânia. É só ele querer alargar a área de consenso.

Porque é consensual que existem enormes interesses económicos do Ocidente na Rússia e que a “nova” Rússia exportou para muitas praças financeiras biliões, arrancados pelos seus oligarcas próximos do poder às grandes empresas soviéticas, que lhes foram parar às mãos…por consenso.

3. Portugal foi sempre o tal país dos brandos costumes.

E, por isso, um paraíso para os consensos.

Até há pouco tempo. Agora parece que a máquina dos consensos emperrou.

A chamada esquerda, uso a denominação consensual, para o caso serve, não consegue uma solução consensual para rigorosamente nada, nomeadamente para se entender.

O BE, maternidade da mais recente fina flor de candidatos a redentores da esquerda, com abundante produção em massa dos mesmos, busca eternamente o consenso com o PS, em vão – o consenso também tem destas sagas românticas de eternos amores não correspondidos -, mas descarta o consenso com os seus filhos que querem ser pródigos.

O PCP segue orgulhosamente só, perdão, quase só, chegando-lhe o seu pequenino consenso com os Verdes, sim porque verde e vermelho sempre são as cores da nossa bandeira.

Mário Soares, bem tenta fazer uns serões na Aula Magna, onde nem sequer falta o inenarrável Garcia Pereira, mas aquele consenso mais parece o prelúdio de uma grande soneca. Um consenso para uma sesta.

O PSD, não lhe chegando o consenso com o CDS, nisto de consensos também entra a monotonia, a repetição de gestos, o mesmo ramerrame, a sensaboria, sempre a mesma amante espanhola, espalhafatosa e cara, já sem salero nenhum, quer à fina força consensualizar-se com o PS.

Seria a grande novidade, o remoçar, o brilharete que se faria na Europa, a saída limpa no papo.

O PS tem exactamente a mesma ideia. Com uma diferença. Estar ele no poder e ser ele o líder do consenso.

E é aqui que bate o ponto. Uma ideia errada do que é um consenso. Pelo menos do que é um verdadeiro consenso numa sociedade livre e democrática.

Nela, para haver consenso político entre partidos da governação, são os portugueses que devem estar na mira desse consenso, é o saber se as propostas dos assuntos objecto de consenso servem os portugueses, os jovens, os pensionistas, os trabalhadores e as empresas, ou se servem apenas o desejo de protagonismo dos políticos, o sucesso das suas carreiras políticas, dos lugares que ocupam ou que ambicionam.

Enquanto não souberem fazer isso, por favor, não nos atormentem com essa história dos consensos.

João Carvalho

Jurista

jrlcarvalho@sapo.pt